quarta-feira, 6 de maio de 2009

Bode Expiatório




BODE EXPIATÓRIO
Psicoterapeuta de Jovem
Meraldo Zisman


A Literatura representa uma grande ferramenta para o registro histórico das epidemias que assolam a humanidade, ao longo dos tempos. Apesar das pragas do Egito Antigo, e de tantas outras descritas no Velho Testamento, prefiro saltar no tempo e começar pela época do Renascimento, com o Decameron, de Giovanni Boccaccio, e suas novelas escritas entre 1348 e 1353. Relata esse autor a tragédia vivenciada pela população européia, e as mortes causadas pelas pandemias da peste bubônica - a denominada peste negra - que, de 1347 a 1350, dizimou mais de uma terça parte da população daquele continente.

Relembro, e muito bem, das minhas leituras de adolescente, o livro Peste, de Albert Camus, uma obra que valeu ao autor o Prêmio Nobel de Literatura em 1957. Nela, o leitor é levado a sentir como alguém reagiria, caso permanecesse isolado do mundo e vivesse em regime de quarentena. E, apesar de toda a desgraça, esse isolamento fez brotar o sentimento de solidariedade entre as pessoas.

Em princípio deste século, surgiu a gripe aviária, e, agora, em plena crise econômica mundial, aflorou o medo ancestral das pandemias (no caso, pelo vírus da influenza), uma lembrança que já faz parte do inconsciente coletivo, e que remete à catástrofe representada pela Gripe Espanhola (1918 -1919).

Quanto à pandemia da gripe suína, ela continua na ordem do dia, seja pela facilidade do deslocamento das pessoas, seja em decorrência do bombardeio midiático, que torna mais intenso, ainda, o medo atávico das populações.

Alguns renomados infectologistas, mais inocentes que maldosos (prefiro considerar assim), enxergam as epidemias como grandes oportunidades para a alavancagem dos progressos da Medicina. Esses profissionais chegam a afirmar que, a vacina Sabin, foi criada em 1960, devido à pressão popular do povo americano. Isto porque a maior potência do mundo não poderia ser desmoralizada pelo minúsculo vírus da poliomielite. Por conta disso, Albert Sabin produziu uma vacina e derrotou o vírus da paralisia infantil.

Tais declarações jamais deveriam ser feitas por aqueles que se proclamam médicos ou cientistas e, muito menos, por líderes das grandes potências mundiais. No que diz respeito ao fato de as guerras desenvolverem a Medicina, eu pergunto: quais foram as grandes descobertas, para a ciência e para o bem da humanidade, feitas pelos nazistas nos campos de concentração?

Com o surgimento da gripe suína, em 2009, a Organização Mundial de Saúde encarregou-se de trocar esse nome pela sigla AH1N1, para que as pessoas não rejeitassem todo e qualquer rebanho suíno, ou passassem a exterminá-los.

Cabe registrar que meu pai, um sobrevivente dos pogroms da velha Rússia, me contou como os ânimos dos súditos do Czar se tornavam mais acirrados de antissemitismo, durante as epidemias de cólera morbus. A polícia daquele imperador colocava, sempre, a culpa das epidemias nos judeus, para poder desviar, assim, o ódio da população pela falta de educação, de comida e de saneamento básico, entre tantos outros.

Neste sentido, enquanto durar a epidemia do vírus AH1N1, os judeus (pelo menos, os ortodoxos), por não comerem carne de porco e seus derivados, estão livres, teoricamente, de contrair a doença. Dessa forma, não poderão ser acusados de contagiar a população não judaica.

Como judeu que sou, afirmo que, por hora, estamos salvos dessa culpa. No presente, devemos nossa salvação aos porcos. Obrigado, suínos amigos! Como nós, vocês também foram transformados em bodes expiatórios e estão ameaçados de extermínio!



Nenhum comentário:

Postar um comentário