terça-feira, 9 de junho de 2009

COTAS RACIAIS

COTAS RACIAIS

Meraldo Zisman
PSICOTRAPEUTA DE JOVEM


Quando estudante de Medicina, ele foi apelidado pelos colegas de Chá Preto. O rapaz era filho de um guarda de tráfego (naquela época, a década de 1950, uma atividade denominada, oficialmente, inspetor de trânsito). O nosso colega residia com a família em um barraco, perto do lixão da Muribeca, uma área em que a hipocrisia dos mandatários insistia chamar de aterro sanitário, e na qual a sobrevivência dos catadores de lixo dependia da competição com os urubus.

Apesar de a Faculdade ser gratuita, o pai de Chá Preto jamais poderia sustentá-lo no curso de Medicina, se não fosse pelas aulas particulares de direção, ministradas àqueles que desejavam tirar a “carta de motorista”. Na época, não existiam auto-escolas, e, tampouco, uma repartição pública responsável pelo emplacamento e emissão de licença para se dirigir. Era o paraíso dos despachantes e, nessa área, o inspetor atuava com muita competência.

Quando chegou o quarto ano da Faculdade, todos nós começamos a correr e disputar um lugar de estagiário, sobretudo em serviços especializados. Residência Médica era algo que ainda não existia. E, para Chá Preto, nunca haveria uma vaga porque ele não possuía um “pistolão”, ou seja, não era filho de médico, não tinha um importante nome de família e, ainda por cima, era preto e pobre. O rapaz, entretanto, nunca esmoreceu: estudou muito, e foi aprovado (nas últimas colocações) em um concurso para acadêmico estagiário da Maternidade da Encruzilhada. Lá, fizeram uma entrevista que valia mais que a prova escrita.

Aquela Maternidade foi a verdadeira escola de Chá Preto, durante os dois últimos anos do curso de Medicina. Lá, ele aprendeu a fazer partos, curetagens, fórceps, e a auxiliar os médicos plantonistas em cesarianas e demais procedimentos clínicos cirúrgicos. Lá, ele se tornou amigo de um obstetra - o Dr. Aprígio, um moreno sertanejo, “caladão” - que, sem qualquer alarde, lhe conseguiu um contrato de médico da Prefeitura de uma pequena cidade, onde um dos seus parentes era o Prefeito. Este foi o presente de formatura de Chá-Preto, agora o Dr. Alcebíades Bezerra. Ele teve a sorte que ninguém mais teve, e foi o primeiro concluinte da turma a colar grau já empregado.

Quando chegou à tal cidadezinha, um dia, nem bem acabara de desfazer a mala - sua única bagagem, sem contar sua maleta de médico - foi chamado às pressas para atender uma parturiente. Ao entrar em seu barraco observou a seguinte cena: ela já estava exausta e, a parteira, descompensada. Rapidamente, o Dr. Alcebíades pegou as colheres do fórceps e conseguiu retirar a criança, ainda com vida. Do lado de fora do barraco, a multidão dava vivas ao doutor. A partir desse dia, sua popularidade foi crescendo tanto que ele foi convidado para entrar na política. Sua vocação, porém, era a Medicina.

Seus pagamentos eram feitos, na maioria das vezes, através de produtos hortigranjeiros, normalmente utilizados como moeda corrente em pequenas cidades. Apesar do parco salário que a Prefeitura lhe pagava (e, sempre, com atraso), ele procurou freqüentar congressos médicos e assinar revistas estrangeiras. Para lê-las, aprendeu inglês, por conta própria.

O Dr. Alcebíades casou com a filha de um comerciante local, uma moça branca, bonita, elegante e educada em colégio de freira. Ninguém, pelo que sei, foi publicamente contrário ao matrimônio. Verdade é que o diploma de médico “branqueou” o noivo!

A vida passava, nasceram-lhe dois filhos e morreu seu sogro. Ele vendeu o armazém e a terras do falecido e, com o dinheiro da pequena herança da esposa, mudou-se com a família para o Recife. Montou seu consultório em um edifício pertencente à high society, comprou a casa de um usineiro falido, no bairro do Espinheiro, e, diga-se de passagem, não lhe foi penoso constituir uma vasta e importante clientela. Adquiriu, ainda, um automóvel condizente com o status de médico. Seu carrão - uma “limusine” - era dirigido por um motorista alto, branco, de olhos azuis e trajado de forma impecável: o doutor assim o desejava.

Certa tarde, o carro estancou em plena Rua Nova, a rua mais importante do comércio recifense. E, havia pressa em se chegar à maternidade, porque uma das grávidas que eram assistidas pelo Dr. Alcebíades tinha entrado em trabalho de parto. Desceram do automóvel, nervosos, o motorista e o profissional de Saúde. Nisto, passou pela rua um mecânico, um tipo grandalhão e gordo, com uma barriga grande, mastigando um toco de charuto apagado no canto da boca.

Agoniado com a situação, o médico falou: eu acho que é o motor de arranque. Sem perguntar nada, o mecânico levantou o capô do carro e percebeu que o cabo da bateria é que estava frouxo. Ouvindo o comentário do médico, ele ficou aborrecido e, dirigindo-se ao motorista, disse com raiva, mordendo ainda com mais força o toco de charuto babado: Se não mandar esse nêgo calar a boca, eu deixo o senhor ir a pé! Quem já se viu um nêgo dar pitaco em assunto de branco?

Na hora, fez-se, apenas, um silêncio constrangedor. Apertado o cabo da bateria, o carro pegou na primeira tentativa, e o motorista dirigiu rumo à maternidade. Olhando a paisagem da cidade, o Dr. Alcebíades concluiu: Não há diploma no mundo que vença o preconceito!

Agora, eu pergunto: será que as tais cotas raciais, que andam apregoando para as universidades, não contribuem para aumentar o racismo? E rememorei, então, o sacrifício feito pelos pais de Chá Preto para formá-lo em Medicina.

Quando dei por mim, estava com os olhos cheios de lágrimas, lembrando os esforços que meus próprios pais fizeram para que eu me formasse. Ah! Que saudade danada eu tenho dos meus velhos!

quinta-feira, 28 de maio de 2009

BARBA

BARBA
Meraldo Zisman
Psicoterapeuta de Jovem

Barba são os pêlos que crescem no queixo, nas faces e na frente do pescoço do homem. O estudo da barba é chamado de Pogonologia.

O costume de preservar ou retirar os pelos da face, mais do que um indicador de um hábito corriqueiro, abre caminhos para que compreendamos as diferenças sócioculturais, entre as classes sociais dos mais diversos povos.

Na era Paleolítica (da Pedra Lascada), 40 mil anos atrás, os homens da caverna descobriram como raspar os pelos do rosto utilizando lascas de pedra amoladas. Apareceram, assim, os primeiros sinais de vaidade masculina, expressas nas pinturas rupestres, apresentando homens com barba e homens sem ela. Foram encontrados silexes afiados e conchas marinhas que representaram, certamente, as primeiras lâminas de barbear.

No Egito Antigo, os membros da nobreza cultivavam a barba como um sinal de status - os senadores de Roma são exemplos disso - enquanto, os da classe sacerdotal, optavam por uma total depilação dos pelos para se distanciar dos animais.

As estátuas dos filósofos gregos, em geral, são acompanhadas de figuras com fartas barbas. Dizem que Alexandre, o Grande, proibia o uso da barba entre seus soldados, pois a mesma trazia desvantagens às suas tropas em caso de batalha corpo a corpo, costume adotado pela soldadesca romana. Raspar os pelos e a barba era permitido ao futuro cidadão romano, só após a puberdade, como um rito de passagem. Ali surgiu o creme de barbear (à base de óleo de oliva) visando tornar esta prática diuturna e menos dolorosa.

Na Idade Média, com a cisma da Igreja, os sacerdotes do rito Greco Ortodoxo deixaram crescer enormes barbas, enquanto os padres da Igreja de Roma a raspavam, para não serem confundidos com cristãos dos ritos orientais e, muito menos, com judeus ou muçulmanos.

Além disso, o uso do bigode gerava bastante polêmica entre os cristãos medievais, pois estes eram ostentados pelas levas de bárbaros germânicos que invadiam o claudicante Império Romano. Fato semelhante acontece, hoje, nos Estados Unidos da América do Norte, em relação aos imigrantes hispânicos.

Quanto a deixar a barba crescer ou não, nos últimos séculos, na Europa, o hábito passou a fazer parte da vaidade masculina. Surgiram novos tipos de navalhas - artefatos dos mais estranhos – que foram sendo aperfeiçoadas do século XVIII em diante, e que se perpetuam, até hoje, sem se encontrar uma que seja completamente indolor, mesmo em nossa era eletroeletrônica.

A invenção dos irmãos Kampfe (americanos), e suas navalhas em T, influenciaram o caixeiro-viajante King Camp Gillette que, com o auxílio de Willian Nickerson (um engenheiro do Instituto de Tecnologia de Massachusetts), criaram uma nova marca de lâmina, e barbeadores largamente utilizados por homens e mulheres das várias partes do planeta.

Durante o século XX, esse quadro mudou: apresentar um rosto lisinho virou sinônimo de civilidade e higiene, ao passo que os barbudos eram considerados anti-higiênicos. Foi nas décadas de 1970 e 1980, que, cavanhaques e bigodes começaram a virar uma febre entre os homossexuais norte-americanos.

Nos dias atuais, a barba está associada aos temíveis terroristas do Islã ou a pessoas com um visual alternativo. Mesmo sem indicar, obrigatoriamente, um determinado comportamento ou opção, a barba revela como as diferentes culturas salientam seus valores de unidade e diferença. Sigmund Freud, ele mesmo, autor do livro Preconceito das Pequenas Diferenças, passou a ser um cultivador deste fânero facial, após a fama. No Brasil, após a subida de Lula, voltou a moda da barba como símbolo de Poder. É possível perceber que tudo é questão de moda!

BULLYNG - VIOLÊNCIA ESCOLAR

BULLYNG - VIOLÊNCIA ESCOLAR
Meraldo Zisman

Bullying é um termo inglês empregado para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, que são praticados seja por uma pessoa, ou seja por um grupo de "valentões", com o objetivo de intimidar e/ou agredir uma ou várias pessoas incapaz (es) de se defender.
Por não existir uma palavra equivalente na língua portuguesa, capaz de expressar todas as situações possíveis de bullying, registro, a seguir, algumas ações que estão relacionadas a esse tipo de violência: colocação de apelidos, humilhações, ofensas, discriminações, assédios, gestos violentos, agressões, empurrões, chutes, tapas, ferimentos, destruição de pertences, intimidações, entre outros.
Uma pesquisa realizada pelo Institute Warwick Medical School, da University of Warwick, Coventry, na Inglaterra, e que foi publicada no Arch Gen Psychiatry, em 2009, concluiu que as vítimas das agressões acima citadas se tornavam mais susceptíveis de apresentar sintomas psicóticos, no início da adolescência. Neste sentido, das 6.437 crianças estudadas desde o nascimento, e submetidas anualmente a avaliações física e psicológica, aquelas que haviam sofrido agressões, por parte dos colegas, apresentaram uma propensão, quatro vezes maior, de desenvolver sintomas psicóticos - alucinações, delírios e distúrbios de pensamentos - na pré-adoles cência, quando comparadas com as crianças que não sofreram violências (o grupo de controle).
Mesmo aquelas que não foram vitimizadas, e, apenas, presenciaram as cenas de vandalismo em relação aos colega(s), temendo vir a se tornar a próxima vítima, estavam mais propensas a ser pessoas desajeitadas, do ponto de vista social, e mais susceptíveis de ser alvo de chacotas, quando adultos, principalmente em âmbito profissional. O mesmo resultado foi encontrado em uma pesquisa realizada com gêmeos monozigóticos, que frequentaram educandários distintos: aquele que sofreu agressões de seus pares apresentou dificuldades sociais, ao passo que seu irmão (ou irmã), que não vivenciou tal situação, não apresentou qualquer dificuldade social.
De forma geral, então, a violência escolar deveria ser um alvo de maior interesse, em se tratando da prevenção e intervenção precoce à saúde mental e à profilaxia das psicoses. E, se 10% das crianças inglesas sofreram ou virão a sofrer algum tipo de agressão, por parte dos seus colegas, imaginem os(as) leitores(as), em nosso país, o percentual de casos que existe entre as crianças das populações marginalizadas.

Arrematando: o bullying aumenta, sobremaneira, a probabilidade de as crianças desenvolverem transtornos psiquiátricos, a exemplo da esquizofrenia e da depressão na adolescência, estendendo-se isso à vida adulta. Por sua vez, as crianças e adolescentes que são abusadoras(es), no presente, também estão propensos a desenvolver comportamentos antissociais no futuro. Portanto, qualquer tipo de violência na idade escolar, deve ser encarado como um sério problema, agora e sempre.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Bode Expiatório




BODE EXPIATÓRIO
Psicoterapeuta de Jovem
Meraldo Zisman


A Literatura representa uma grande ferramenta para o registro histórico das epidemias que assolam a humanidade, ao longo dos tempos. Apesar das pragas do Egito Antigo, e de tantas outras descritas no Velho Testamento, prefiro saltar no tempo e começar pela época do Renascimento, com o Decameron, de Giovanni Boccaccio, e suas novelas escritas entre 1348 e 1353. Relata esse autor a tragédia vivenciada pela população européia, e as mortes causadas pelas pandemias da peste bubônica - a denominada peste negra - que, de 1347 a 1350, dizimou mais de uma terça parte da população daquele continente.

Relembro, e muito bem, das minhas leituras de adolescente, o livro Peste, de Albert Camus, uma obra que valeu ao autor o Prêmio Nobel de Literatura em 1957. Nela, o leitor é levado a sentir como alguém reagiria, caso permanecesse isolado do mundo e vivesse em regime de quarentena. E, apesar de toda a desgraça, esse isolamento fez brotar o sentimento de solidariedade entre as pessoas.

Em princípio deste século, surgiu a gripe aviária, e, agora, em plena crise econômica mundial, aflorou o medo ancestral das pandemias (no caso, pelo vírus da influenza), uma lembrança que já faz parte do inconsciente coletivo, e que remete à catástrofe representada pela Gripe Espanhola (1918 -1919).

Quanto à pandemia da gripe suína, ela continua na ordem do dia, seja pela facilidade do deslocamento das pessoas, seja em decorrência do bombardeio midiático, que torna mais intenso, ainda, o medo atávico das populações.

Alguns renomados infectologistas, mais inocentes que maldosos (prefiro considerar assim), enxergam as epidemias como grandes oportunidades para a alavancagem dos progressos da Medicina. Esses profissionais chegam a afirmar que, a vacina Sabin, foi criada em 1960, devido à pressão popular do povo americano. Isto porque a maior potência do mundo não poderia ser desmoralizada pelo minúsculo vírus da poliomielite. Por conta disso, Albert Sabin produziu uma vacina e derrotou o vírus da paralisia infantil.

Tais declarações jamais deveriam ser feitas por aqueles que se proclamam médicos ou cientistas e, muito menos, por líderes das grandes potências mundiais. No que diz respeito ao fato de as guerras desenvolverem a Medicina, eu pergunto: quais foram as grandes descobertas, para a ciência e para o bem da humanidade, feitas pelos nazistas nos campos de concentração?

Com o surgimento da gripe suína, em 2009, a Organização Mundial de Saúde encarregou-se de trocar esse nome pela sigla AH1N1, para que as pessoas não rejeitassem todo e qualquer rebanho suíno, ou passassem a exterminá-los.

Cabe registrar que meu pai, um sobrevivente dos pogroms da velha Rússia, me contou como os ânimos dos súditos do Czar se tornavam mais acirrados de antissemitismo, durante as epidemias de cólera morbus. A polícia daquele imperador colocava, sempre, a culpa das epidemias nos judeus, para poder desviar, assim, o ódio da população pela falta de educação, de comida e de saneamento básico, entre tantos outros.

Neste sentido, enquanto durar a epidemia do vírus AH1N1, os judeus (pelo menos, os ortodoxos), por não comerem carne de porco e seus derivados, estão livres, teoricamente, de contrair a doença. Dessa forma, não poderão ser acusados de contagiar a população não judaica.

Como judeu que sou, afirmo que, por hora, estamos salvos dessa culpa. No presente, devemos nossa salvação aos porcos. Obrigado, suínos amigos! Como nós, vocês também foram transformados em bodes expiatórios e estão ameaçados de extermínio!



Genes e Humanidade

GENES E HUMANIDADE
*MERALDO ZISMAN
PSICOTERPEUTA DE JOVEM
Publicado na Coluna do Carlos Brickman

Apesar de as comparações iniciais terem revelado que, cerca de 40 milhões de pares de genes (somente 1,2% do total), são diferentes do chimpanzé, não é possível elaborar estudos comparativos da espécie humana, exclusivamente, pela quantidade de DNA existente no genoma desse primata, o parente vivo mais próximo do Homem: isto seria tão absurdo quanto a mentalidade das pessoas, nas escolas, desfavoráveis ao ensino da teoria de Darwin.
Essa pequena alteração, porém, possui um grande impacto nas diferenças entre as duas espécies. Ela deu um cérebro maior ao ser humano, a possibilidade de andar ereto sobre os dois pés, as habilidades lingüísticas complexas, a percepção do som e a transmissão de sinais nervosos, além da capacidade de adaptação aos mais diferentes ambientes.
Calcula-se entre oito ou doze milhões de anos atrás, a época do maior número de duplicação dos genes, que causou a separação das linhagens dos humanos e dos chimpanzés, para melhor se adaptar às variações climáticas e alimentares. Nesta mudança dos genes surgiram as habilidades cognitivas (o processo ou a faculdade para adquirir conhecimentos complexos), e elas foram se tornando essenciais para a vida na sociedade humana, que é cada vez mais complexa.
Estudos mais recentes comprovam que as pequenas diferenças, entre o genoma humano e o do chimpanzé, são dez vezes maiores do que apontam as pesquisas feitas há poucos anos atrás, quando os estudos genéticos ainda estavam engatinhando. A chave para tal descoberta foi o estudo da duplicação de fragmentos de DNA, repetidos ao longo do genoma, que era difícil de distinguir e, por essa razão, não foi levado em conta no final do século XX. Foi, precisamente, o estudo das duplicações de todo o genoma das espécies de grandes macacos - orangotangos, chimpanzés e gorilas - que permitiu um avanço, através do qual se elaborou o primeiro catálogo específico das regiões, dos diversos genomas, entre símios e seres humanos.
As duplicações dos segmentos são fragmentos do genoma, que, devido a mecanismos moleculares muito complexos, em determinados momentos da evolução, empreenderam múltiplas cópias de si mesmo, e estas foram sendo inseridas em diversos lugares do próprio genoma. O genoma do chimpanzé, por exemplo, revela o que nos faz diferente dele.
Seres humanos e primatas possuem um ancestral comum: alguma criatura, semelhante ao macaco, que, há cerca de seis milhões de anos, viveu na Terra. No entanto, o tempo se encarregou de esculpir os genomas do macaco e do Homem, em sentidos diferentes. Cinqüenta e três genes presentes no genoma humano, ou não existem, ou, caso existam, no chimpanzé são de forma imperfeita. Assim, o próximo desafio da genética será descobrir o que esses genes fazem. Será que eles poderiam explicar por que somos humanos? Esperamos que sim, além de esclarecerem muitas patologias que assolam a nossa espécie, particularmente, as doenças mentais.
*Meraldo Zisman é médico, Prof. Titular de Clinica Pediatrica Médica da Universidade de Pernambuco, Ex presidente da Academia Pernambucana de Escritores Médicos, Membro da Academia Brasileira de Escritores Médicos, Ex Presidente da Sociaedade Brasileira de Psicosomatica - Recife - PE e Psicoterapeuta de Jovens.

Cautela Sociopática


CAUTELA SOCIOPÁTICA
Meraldo Zisman
PSICOTERAPEUTA DE JOVENS

Escudado na missão de informar, o profissional da mídia luta contra dois fortes inimigos: o poder político e o poder econômico. Como cidadão, observo apreensivo o agravamento de tal situação.
Há muitos anos, a Medicina Psicossomática enfatiza a importância que tem um lar bem estruturado, na formação da cidadania, bem como os perigos advindos da ausência dele. Alguns leigos e certos estudiosos, em um primeiro impulso, acusam a mídia como um dos fatores causais do incremento da violência. Acredito que qualquer meio de comunicação de massa, por maior que seja o avanço tecnológico, não produz acontecimentos: ele, apenas, apresenta, exibe, escreve e transmite o que o público deseja assistir.
Ambientes domésticos deficitários estão presentes em todas as camadas sociais, o que facilita a geração de sociopatas. Sociopata é um indivíduo cuja personalidade se caracteriza pelo desprezo às obrigações sociais, pela falta de consideração para com os sentimentos de outrem, por possuir um egocentrismo exacerbado, que, para satisfazê-lo, não leva em conta os meios e as pessoas a quem possa ferir, destruir, ou matar, em suas macabras empreitadas.
Geralmente, os portadores desses distúrbios apresentam um charme superficial em relação às outras pessoas, e possuem inteligência normal ou acima da média. Em outras palavras, não são considerados doentes mentais e, portanto, são responsáveis pelos atos anti-sociais que praticam.
Durante a formação da personalidade, quando a mãe não é "boa o suficiente", ou a família é disfuncional e não apresenta um ambiente adequado à educação dos filhos, é gerada uma "angústia de separação", posto não ter havido oportunidade de introjetar as figuras materna e paterna, como fonte de segurança, para atender as necessidades vitais, enquanto completamente dependente. Os comportamentos resultantes têm um elevado potencial destrutivo. Neste sentido, urge que a profilaxia desse distúrbio seja focada no Lar, levando-se em conta a psicodinâmica do sentimento de amparo/desamparo, e as etapas de crescimento e desenvolvimento do ser humano.
Advogo prudência, senhores profissionais de Jornalismo! Essa angústia em busca de picos de audiência pode transformá-los em prisioneiros-vítimas-cúmplices da mesma violência que ocorre, e que um bom jornalista-cidadão deve abominar. Seus malefícios superam o direito sagrado de informar!

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Os Brancos de Olhos Azuis

Os Brancos de Olhos Azuis
Meraldo Zisman
Psicoterpeuta de jovem

Quando a autoridade máxima no Brasil afirma que os culpados da crise monetária internacional foram os banqueiros brancos de olhos azuis julgo ser esses escritos, retirados em parte, do Livro Marranismo (Edição Bagaço, Recife/PE -2005), bastante pertinente.
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RACISMMO REVERSO
Lembro que, todos nós no Brasil não passamos de filhos de imigrantes excetuando os ameríndios. Pouco importa se embarcados em portos africanos (compulsoriamente) ou da Europa, fugidos de perseguições, guerras, fome, falta de oportunidade... são cativos de pele alva. Não envolver a cor da pele como característica de brasilidade. Somos um país de maioria morena; os brancos têm direito também à cidadania brasileira. São tão brasileiros quanto os de outras colorações.
Voltando as nossas origens o pedido simbólico de Mario Soares então presidente da República Portuguesa em 1889, na sessão evocativa dos 500 anos do decreto de expulsão dos portugueses de Origem judaica em dezembro de 1996 no Parlamento Lusitano, da revogação do Decreto de Expulsão dos portugueses de fé mosaica, são exemplos de um processo de recuperação histórica (lento) das nações de língua portuguesa. Por mais difícil ou atrasada a democracia e a verdade sempre vencem. Livrar-se de Salazar e Franco, levou muito mais tempo que se livrar de Hitler, Mussolini e/ou os Stalins da História.
A influência dos judeus portugueses na formação do Brasil, seus bandeirantes, suas fugas e costumes preservados as escondidas para refugiarem-se do Santo Tribunal do Santo Oficio, homiziar-se mos sertões nordestinos, espalhando seus costumes e tradições do no povo sertanejo faz carecer a abertura dos departamentos universitária para estudo do marranismo. O Brasil, para se impor com nação líder da América Latina e de importância mundial tem que conhecer o seu passado. O futuro torna-se grandioso se dele podermos retirar ensinamentos pretéritos.
A Inquisição é a precursora do anti-semitismo moderno, e de seu expoente máximo, o nazismo. Mais de quatrocentos anos antes de Hitler, os portugueses precisavam comprovar até a oitava geração que não tinham sangue judeu na família quando acusados de seguir a Lei de Moisés. Na Alemanha nazista, exigia-se provar que não havia um judeu na ascendência até a quinta geração. (Será que no meu Brasil não estaremos implantando um racismo reverso?). Eu afirmo:
- TODA E QUALQUER FORMA DE PRECONCEITO É INJUSTIFICÁVEL?

Versalhes Tropical

Versalhes Tropical
Meraldo Zisman
Psicoterapeuta de Jovem


Na maioria dos programas televisivos de debates sobre os grandes acontecimentos nacionais e internacionais, a figura do Cientista Político quase sempre se faz presente. Creio ser tal presença muito boa para um melhor esclarecimento dos telespectadores. Pena que a maior parte limite-se aos canais por assinatura.
No dizer da professora Lucia Avelar da Universidade de Brasília (UnB), "o cientista político é um profissional capaz de criticar injustiças sociais e propor soluções políticas em um mundo onde alguns poucos têm privilégios e outros muitos vivem em condições subumanas concluindo: fatores intelectuais, morais e de justiça se entrelaçam na definição dessa carreira".
Prossegue a professora: "fazer política é encontrar a melhor forma de garantir os direitos e deveres dos cidadãos, levando em conta as diferenças entre os indivíduos e os interesses de cada um.A função do cientista político é poder trabalhar em assessorias de políticos, de partidos, sindicatos, organizações não-governamentais (ONGs); trabalhar em assessoria parlamentar de vereadores, deputados e senadores; trabalhar como analista político; produzir dados eleitorais, atuar em instituto de pesquisa; trabalhar com marketing político em campanhas eleitorais; ser gestor do governo, concebendo, implementando e avaliando as políticas públicas de diversas áreas do governo. Nas outras universidades o estudante entra no curso de Ciências Sociais e, ao se formar, faz mestrado ou doutorado na área de política". Assinala ademais: "O aluno aprende a teoria política clássica, moderna e contemporânea, baseada no pensamento de grandes nomes como Platão, Aristótele s, Maquiavel, Rousseau, Stuart Mill (...) sem esquecer-se dos brasileiros: Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Celso Furtado, etc."
No entender da professora, a localização do campus universitário do bacharelato em Ciências Políticas, no Distrito Federal, propicia ao corpo discente a facilidade de estar próximo ao centro do Poder Nacional (conferir maiores detalhes no site) (http://www.unb.br/graduacao/cursos/sobre/cienc_politica.php#topo.
Discordo da professora em um ponto - temo é a proximidade do Poder (brasileiro). Enfatizo a causa; o meu receio é a localização geográfica desse curso que, segundo fui informado, foi ou é o primeiro ministrado numa Universidade Publica Nacional e portanto, repito, de grande importância para a Nação. Mas voltemos ao assunto desses meus temores.
Sei que a mente do jovem é muito plástica. Bastante influenciável. Principalmente nos dias atuais, quando a civilização do ‘vencer na vida' domina tudo... Não importa como! Daí vem a minha indagação: O que esses moços podem aprender de bom com os políticos atuais? Salvo as exceções de praxe, muito pouco. E o pouco que possam aprender estará eivado de péssimas práticas e de um total desprezo pelos eleitores. Infelizmente.
Para terminar digo:
Fala-se tanto em reforma política; não seria melhor reformar primeiro a mentalidade dos homens públicos? Os pedagogos afirmam que quando se deseja, aprende-se, até com um mau professor. Tenho minhas dúvidas. Principalmente quando se está tão próximo da nossa nova Versalhes Tropical.

quinta-feira, 26 de março de 2009

O BANHEIRO DO PAPA




O BANHEIRO DO PAPA
Meraldo Zisman
Psicoterapeuta de Jovem


O Banheiro do Papa (El Baño del Papa, 2009) foi um filme uruguaio que assisti, alugado de uma locadora. Lançado no Brasil em 2007, produzido pelos estúdios Laroux Cine/Chaya Films, e dirigido por César Charlone e Enrique Fernández, a película se passa no ano 1998, no povoado de Melo, fronteira entre Brasil e Uruguai.
Aquele burgo está agitado, correm os boatos de que, em breve, o Papa fará uma visita ao vilarejo. Neste sentido, espera-se que milhares de pessoas cheguem à cidade, e a população local se anima, percebendo o futuro evento como uma oportunidade para comercializar comidas, bebidas, bandeirinhas de papel, souvenirs, medalhas comemorativas, entre outros produtos. O protagonista Beto (César Trancoso) é um contrabandista que decide construir um sanitário condigno para a visita do Papa, no qual as pessoas poderão usar durante o evento. Para tanto, empenha todas as suas economias, e se endivida na construção de um banheiro mais requintado, contendo porta, bacia sanitária, descarga e um pedaço de papel higiênico para cada futuro usuário. No entanto, chega a noite, o Papa não vem, e o povoado fica ainda mais miserável e sem esperanças.
Lembrei-me desse filme, ao ler as queixas do Senhor Secretario de Turismo, do Rio de Janeiro, Antonio Pedro Figueiredo de Melo. Ele declarou que, até o fim da semana pós-carnavalesca (2009), foram danificados, por gangues de vândalos, 166 banheiros químicos, de um total de 821 instalados pela Prefeitura. Equipamentos sanitários completamente derrubados, arrasados, destruídos, a maioria sem portas. Creio que a edilidade não respeitou o aspecto psicossocial dos foliões. Carnaval é carnaval, é liberação! Afinal, para que servem as portas? Pergunto: e tudo é permitido no carnaval, mormente neste, em principio do século XXI?
O povo resolveu a questão, como de hábito, em plantas, postes, fachadas, bueiros e outros locais já consagrados. O problema imediato foi resolvido "a céu aberto". Melhor assim: deu transparência ao povaréu, que nada tem a esconder. Qualquer cantinho serviu para aliviar uma pessoa "apertada". Principalmente agora, em tempos de sambas-enredo e nudez escancarada, o que há de tão grave no fato de o cidadão fazer suas necessidades em plena rua? Quem vai ter vergonha de urinar em banheiros sem portas ou de portas abertas? Viva a liberdade!
No tempo em que eu era estudante de Medicina, um estadista norte-americano comentou: "O problema da América do Sul é a falta de latrinas!" Daí por diante, a estudantada passou a denominar o nosso continente de América Latrina.
Na verdade, a grande maioria do povo brasileiro não tem acesso a um banheiro limpo, em decorrência da falta de saneamento básico. Porém, fazer uso de um banheiro limpo é um direito, mais ou menos, universal. O Secretário de Turismo, Figueiredo de Melo, chegou a uma conclusão distinta daquela proferida pela autoridade norte-americana. Ele declarou, em uma revista de circulação nacional: "Não adianta ter banheiro se não houver educação!" E ponto final!

quarta-feira, 25 de março de 2009

Valério Rodrigues

Valério Rodrigues
Meraldo Zisman
Psicoterapeuta de Jovem


Tarde de sábado de 21 de março de 2009, um prolongamento extraordinário dos nossos almoços das sextas-feiras. Um almoço vetusto, de 36 anos e trá-lá-lá, como o Comandante Valério Rodrigues costuma brincar com sua idade. Os freqüentadores desse almoço não falam do passado, mas discutem o presente para melhor planejar o futuro. Falamos, discutimos e conversamos, pois não desconhecemos que o valor do homem está no que ele fez, faz e fará. Esta é a régua do mortal! Destaco: o homem vale pelo que realiza! No entanto, desejo sublinhar a figura do nosso Valério. Vamos por parágrafos. Da Família: Junto à esposa, Cordalia, companheira e parceira do aniversariante, parabenizo pela estirpe unida e respeitosa, os netos que aqui se encontram e outros que chegarão. É preciso lembrar: sem a família, nada somos; sem o amor, estamos todos mortos. Da Vida Pública: Quando o Presidente do Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco (Lafepe) inaugurou, em 1984, a Farmácia da empresa, na Rua do Imperador, e depois a ampliou para farmácias de bairros, valeu pelo pioneirismo. Este foi um exemplo seguido por sucessivos governos, mesmo os de oposição. Da Amizade: Estranho fenômeno esse, do mundo afetivo: você não sabe como ele acontece, ou quando começa, mas, sente e conhece a alegria que proporciona. O meu amigo é um mestre na arte de agregar pessoas. É como a música, uma metáfora de liberdade e expressão de talento da linguagem universal. Valério é Mestre na Arte de Agregar! E por falar em música, sinto contentamento quando escuto suas composições, episódios pitorescos da veterana carreira política, que até meus netos já aprenderam. Aí vai a primeira delas: Dona Maria cadê Nino?Tá na praia, fazendo menino,Oi Nino, oi Nino... Prossigo com a cançoneta cômico-trágica, em homenagem a um sogro, cantada (ou inventada) por um pescador da praia de Maria Farinha: Meu sogro, meu sogro, a sua filha tá botando gáia em mim... Meu sogro, meu sogro, A bicha é ruim e ainda dá em mim. É a sensibilidade de captar a alma e o sentimento do povo, o que torna Valério Rodrigues uma pessoa agregadora. Para concluir, eu não poderia deixar de lembrar quando um desprecavido interlocutor lhe perguntou: Dr. Valério, quantos anos o senhor tem? E nosso aniversariante disparou: O senhor é do IBGE? Portanto, eu afirmo: para se conseguir a amizade de uma pessoa digna, é preciso desenvolver, em nós mesmos, as qualidades que naquela admiramos. Obrigado Valério, por me permitir ser seu amigo! Até os próximos almoços das sextas-feiras! E que sejam muitas as sextas-feiras sob seu comando! Parabéns mesmo! (Assino, Meraldo, irmão de Fernando Zisman que, acredito, desceu do céu, e está aqui presente para comemorar este aniversário).

sexta-feira, 13 de março de 2009

Crise e Economia Mundial

Crise e Economia Mundial

Publicada no Diario de Pernambuco

Caderno Opinião 12 de março de 2009

Meraldo Zisman

Psicoterapeuta de Jovem

O consumismo é tido como um dos grandes problemas da vida moderna. Ele causa não apenas transtornos financeiros, mas, afeta, também, o psicológico das pessoas. Existem, por exemplo, pessoas compulsivas por comida, luxo, sexo ou poder; e existem aquelas que necessitam comprar qualquer coisa, para satisfazer o mecanismo de compensação e sua compulsão. Hoje, muitas pessoas têm depressão, e um dos motivos disso é a perda da própria essência. Dito de outra maneira, elas "abraçam" as coisas do mundo, mas, esquecem de si mesmas.

Em determinadas circunstâncias, elas podem se comportar de forma infantil, impensada, movidas inteiramente pelos impulsos. Não se tratam de seres "infantilizados", porém, de pessoas que, apenas em algumas situações, agem de forma inadequada, como se fossem crianças, obedecendo somente à sua impulsividade e sem qualquer discernimento. Posteriormente, têm consciência de seu comportamento, e se sentem até incomodadas por ele, mas não conseguem evitar que se repita: acabam não enxergando a vida, ou não a aproveitando, como ela merece. Tudo isto é explorado pela propaganda desvirtuada.

No presente, a palavra de ordem é virtualidade. Tudo é virtual: até o amor e a atração sexual passaram a ser virtuais. Penetramos na virtualidade de todos os valores, onde não há compromisso com o real. Passamos a ser ainda cidadãos virtuais, e ficamos à mercê da propaganda. Nela, "possuir" algo, dirigir tal carro, tomar tal refrigerante, usar tal artigo de grife, é mais importante do que "ser". E, mesmo depois de consumirmos, o resultado final não traz a felicidade propalada. É a civilização da imbecilidade!

Tenho a impressão de que ficamos, a cada dia, menos cultos. Os psicanalistas e psicoterapeutas tentam descobrir o que fazer com os desejos de seus pacientes. Eu, que trabalho nessa área, gostaria de oferecer uma sugestão: o grande desafio é gostar de si mesmo, e ver como é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante.

Muitas vezes, passeando pelos shoppings, digo aos vendedores, que me assediam para comprar:

Estou apenas fazendo a minha higiene mental!

Diante de seus olhares espantados, explico que estou parafraseando Sócrates, o filósofo grego do século IV a.C. A verdade é que gosto de tranqüilizar minha alma, percorrendo o "Centro Comercial de Atenas". E, caso os vendedores continuem insistindo comigo, ressalto: Estou apenas observando quantas coisas existem, e que delas não preciso para ser feliz!

quinta-feira, 5 de março de 2009

Rádio Clube de Pernambuco (PRA8)



OITENTA ANOS NO AR

Meraldo Zisman


No dia 6 de abril de 1919 foi fundada a Rádio Clube de Pernambuco (PRA8). As datas ou acontecimentos históricos permanecem indeléveis nas lembranças, quando fazem parte das memórias de infância. E este foi o meu caso, em relação à pioneira Radio Clube.

A partir de 1942, o Nordeste passou a acompanhar as notícias da Segunda Guerra Mundial pelo Repórter Esso - um programa retransmitido no Recife pela PRA8. Lá em casa, a hora do noticiário era sagrada. Todos ficavam escutando as novidades, silenciosamente, em volta do rádio Philips (com válvulas) protegido por um pano, que minha mãe havia bordado com carinho. Aquele era o aparelho mais importante da casa, de porta e janela, na Rua da Alegria, bairro da Boa Vista, onde morava a maior parte dos judeus fugidos das perseguições nazistas. Esse grupo de europeus era (ou aparentava ser) tão grande, que o bairro era conhecido como "Gueto da Boa Vista", cujas ruas, becos e vielas pareciam córregos a desaguar na Praça Maciel Pinheiro, um ponto de concentração obrigatório dos "russos" - termo através do qual o povão e as "pessoas de bem" do Recife designavam os estrangeiros prestamistas.

Foi naquele logradouro de belo chafariz que, deslumbrado, escutei as primeiras discussões políticas e as tragédias da Segunda Grande Guerra. Dentre elas, recordo-me a importância da Radio Clube, cujas ondas hertzianas varavam as paredes das modestas residências, quase sempre subdivididas por tabiques, que abrigavam várias famílias. O tema preferido desses "gringos" eram os avanços das tropas russas. Muitos deles discutiam com entusiasmo, em tom bem alto, empregando uma mistura de português com iídiche (dialeto falado pelos judeus oriundos da Europa Oriental).

A Batalha de Stalingrado, o desembarque da Normandia, o Marechal Zukov e o Marechal Timoshenko, eram as pièces-de-résistance das acaloradas discussões, embasadas pelas notícias dos locutores da PRA8. Para mim, criança ainda, foi emocionante ouvir o speaker (assim denominado o locutor, na época) da Radio Clube noticiar o fim da Segunda Guerra Mundial e, via de consequência, o final do Holocausto.

Como sou judeu, o fato de a história de parte de minha vida chegar através da pioneira Radio Clube de Pernambuco foi marcante. Obrigado, minha velha e nova PRA8! Feliz aniversário! Lembrem-se, caros leitores: a História não possui um tecido próprio, ela é engendrada mediante pequenas histórias individuais, como esta!

DIFERENÇAS DE MENTALIDADES*

DIFERENÇAS DE MENTALIDADES*

Meraldo Zisman

Psicoterapeuta

Vicky Cristina Barcelona é o titulo do filme escrito e dirigido por Woody Allen, exibido no Brasil em novembro de 2008, e interpretado pelos atores Javier Bardem, Scarlett Johansson, Rebecca Hall e Penélope Cruz. As duas protagonistas - Vicky e Cristina -, ambas americanas, são grandes amigas em férias em Barcelona. Vicky faz o tipo mulher sensata: está noiva e vai se casar em breve com um nerd americano. Cristina, por sua vez, está sempre em busca de uma nova paixão para agitar mais sua cabeça desmiolada. O enredo é mais ou menos assim, tendo como pano de fundo a encantadora cidade espanhola de Barcelona.

Certo dia, em uma galeria de arte, elas conhecem Juan Antonio, um pintor espanhol do tipo latin-lover made in Hollywood, que, segundo as fofoqueiras locais, acabara de sair de um divórcio atribulado, tendo sido, até, esfaqueado pela sua (ex) mulher Maria Helena - interpretada pela fogosa, encantadora e maravilhosa atriz Penélope Cruz.

Ainda naquela noite, durante o jantar, o pintor Juan Antonio (Javier Bardem) se aproxima da mesa em que Vicky e Cristina se encontram e lhes faz uma proposta de viajar com ele para Oviedo. Vicky, de imediato, sempre muito ajuizada, inicialmente rejeita a idéia; mas, Cristina a aceita e consegue convencer a amiga a acompanhá-la. Este é o início do relacionamento conturbado de ambas com Juan Antonio; e, piora, depois, quando entra em cena a mulher do pintor. Nesse imbróglio, Woody Allen teve a oportunidade de evidenciar seu talento genial: ele é um neurótico, no campo da psicodinâmica humana.

Acho, porém, que faltou algo nesse filme. Percebi uma dificuldade de entrosamento entre a civilização "latina" e a "anglo-saxônica". As duas culturas se admiram mutuamente, mas, não se interpenetram. Assim como Barcelona, são estereotipadas e voltadas para o turismo, bem ao gosto dos norte-americanos. Na película, eu senti uma dissociação entre o cenário (a cidade de Barcelona), a biografia das americanas, e, também, a do Diretor. Das três artistas, fico com Penélope Cruz, muito embora as americanas sejam de tirar o fôlego de qualquer mortal. Por fim, afirmo que as duas culturas podem se amar ou se odiar, porém, jamais se casar. Com toda a certeza, não dará certo: as mentalidades de ambas são muito diferentes.

* A ARIZ PENELOPE CRUZ RECEBEU O OSCAR ( FEVEREIRO DE 2009) COMO A MELHOR ATRIZ COADJUVANTE, ENQUANTO O HUMOR JUDAICO SE FAZ PRESENTE DO PRINCIPIO AO FIM DE MAIS UM FILME DO CINEASTA WOODY ALLEN.

segunda-feira, 2 de março de 2009

MARLEY & EU

(direito a morrer com dignidade)

Meraldo Zisman

Psicoterapeuta de Jovem

Depois do Natal, fui assistir ao filme "Marley e eu", que tem, no elenco, o ator Owen Wilson, como John Grogan (autor do livro homônimo), e a atriz Jennifer Aniston, como sua esposa Jenny. Líder de arrecadação norte-americana, e produção da 20th Century Fox, ele se tornou o primeiro filme, passado em um feriado de Natal, a alcançar US$ 100 milhões de bilheteria. Seu roteiro gira em torno de um casal de jovens jornalistas que, após perderem o primeiro bebê, decidem criar um cachorro. Eles vão a um canil, compram um filhote da raça labrador retriever, e o batizam com o nome Bob Marley, o mesmo do famoso cantor de reggae.

A película evidenciava as incríveis peripécias de Marley: ele quebrava portas, comia roupas, lançava-se sobre os visitantes, roia mobílias, e terminou sendo expulso de uma escola de treinamento de cães. Depois disso, a família decidiu castrá-lo, em uma tentativa (frustrada) de torná-lo mais calmo, e não degenerar a raça.

A despeito de seu mau comportamento, Marley conseguia ser muito amado, tanto pelos Grogans, quanto pelos filhos do casal que foram nascendo. Era realmente encantador observar o carinho de todos por ele, apesar do desespero dos amigos e conhecidos frente às suas peripécias imprevisíveis. O cachorro fazia parte, realmente, da vida do casal, e acompanhava todos os acontecimentos e nuances da biografia da família, sendo muito solidário, com seus donos, na dor e na alegria.

Em muitos momentos, a câmera focalizava os Grogan, do ponto de vista de Marley; outras vezes, focalizava do ponto de vista das pessoas, sem que o espectador pudesse distinguir a visão que prevalecia. Os sentimentos e as reações do cachorro eram bem radicais e opostos. Para ele, era tudo ou nada: ele gostava ou não gostava. Era como dizem por aí: "se você adotar um cão e torná-lo próspero, ele não o morderá". Eis a diferença entre um homem e um cão.

Com o correr do tempo, porém, Marley foi envelhecendo: perdeu as forças, não pode mais correr atrás das crianças, passou a ter doenças e achaques da velhice. A família o amparou e o protegeu, sentindo que ficou idoso. Marley desapareceu algumas vezes, mas os familiares disseram que os cachorros sabem quando sua hora derradeira chega, e preferem ficar sozinhos.

No entanto, isso não ocorreu. Marley passou seus últimos momentos com o Grogan pai, em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) veterinária, longe das crianças e do lar. Terminou sendo sacrificado na clínica, e enterrado pela família, com todo o carinho possível, no jardim de sua casa.

Esse é um filme triste e real como a própria vida. Como médico, acredito que Marley, por se tratar de um cão, pôde ser sacrificado humanamente. Embora tenha sido muito piegas, seu enterro foi bonito e todos que o amavam estavam lá.

Agora, pergunto: não seria melhor, para Marley, que o sedativo mortal tivesse sido administrado na presença de seus entes queridos, e ele tivesse morrido junto daqueles que o amavam?

Nunca poderemos saber o desejo de Marley porque cães não falam: eles são, tão-somente, monoblocos de emoções, amor e paixão.

Infelizmente, o ser humano não goza dos mesmos direitos que os animais, ou seja, não lhe é permitido morrer em casa, ao lado de seus familiares. Em geral, as pessoas morrem rodeadas por profissionais competentes e equipamentos sofisticados. E, no final, os médicos dizem: foi feito tudo!

Entre os meus conhecidos, desconheço quem teve o direito de morrer na própria casa. Eu aconselho: escrevam nos testamentos que lhes permitam morrer em paz, cercados dos entes queridos. Na prática, acho que as famílias deveriam ter um médico de confiança, como antigamente havia o chamado "médico de família".

Que falta faz um médico amigo nessas horas!

Vivemos acorrentados, hoje, a regras desumanas. Há bastante comoção no filme porque, no fundo, todos desejam possuir os mesmos direitos que o cão. Para mim, é essa a mensagem de Marley e eu: faz-se necessário repensar tanto a trajetória do cachorro, quanto a das pessoas a seu redor.

EMIGRAÇÃO Uma nova tragédia nacional

EMIGRAÇÃO

Uma nova tragédianacional

Meraldo Zisman

Emigração é a saída espontânea de pessoas de uma região para outra, dentro de um mesmo país ou de um país para outro. Conceituado isso, vamos ao caso emblemático que recentemente envolveu uma moça brasileira na Suíça. Esse caso atinge de maneira insólita o Brasil, pela atitude intempestiva dos nossos governantes, respectivamente Ministro do Exterior e Presidente da República, à qual se acresce a falta de comedimento dos nossos homens de Imprensa.

A veracidade ou fantasia da agressão da jovem - não importa se auto-infligida ou realizada por xenófobos - aviva o preconceito contra os brasileiros que por falta de oportunidade, foram obrigados a migrar. Faltou humanismo aos nossos Poderes (incluindo o 4º Poder - A Mídia) - "a dor de uma família deveria e poderia ser mais bem respeitada". Por outro lado, esse caso chama a atenção para um fenômeno que está ocorrendo em nosso país e que é hipocritamente escondido da grande maioria de nossa população - um segredo de polichinelo: a emigração brasileira e a busca de uma nova cidadania, baseada na ancestralidade original... Continuo:

A partir da década de 60, a emigração de brasileiros (para fora) do País foi aumentando, agudizou-se em 1980 e daí para diante, somente aumentou. Observações sociológicas mais aprofundadas apontam de serem muitos desses emigrantes jovens altamente qualificados e não, como distorcem, serem os brasileiros pobres o principal item de exportação, destinado à prostituição feminina ou masculina a domicílio, como se propaga na Espanha, na Itália e outros países da União Européia, sem falar nos Estados Unidos.

O Brasil, considerado historicamente como destino para imigrantes passou a ser exportador de "gente manufaturada" e não exclusivamente de commodities. Tamanha transformação representa um fato social e político que vem sendo progressivamente reconhecido e denunciado pela imprensa, pelas universidades e, acredito, até pelos nossos governantes; por estes, de forma muito lenta - infelizmente. É necessário que ocorram fatos chocantes como esse da Suíça, ou a morte de um eletricista em Londres, para que o problema seja ventilado, mas logo esquecido...

Algo deve estar sucedendo com os nossos jovens ou com o nosso país ou com ambos! Os jovens deixam o Brasil à procura de melhores oportunidades de trabalho. Os emigrantes brasileiros (na maioria), têm perfil de classe média: são jovens em início de carreira, principalmente os que ganhavam a vida, por aqui, como bancários, professores secundários, comerciários, etc.

Nos países de destino (quando conseguem entrar, legal ou ilegalmente), empregam-se em serviços de baixa qualificação, como lavadores de pratos, arrumadeiras, caixeiros, domésticos, limpadores, faxineiros. Levam vida miserável, moram precariamente, alimentam-se pessimamente e poucos são os que conseguem realmente melhorar de vida. Quem conhece a realidade da maioria desses jovens envergonha-se de como um país como o nosso aceita ver seus compatriotas sofrendo tamanha humilhação. Bastaria dizer que o Ministério do Trabalho e Emprego lançou a cartilha "Brasileiros no Exterior, Informações Úteis" para apoiar e alertar os trabalhadores brasileiros dos perigos que correm no exterior. Segundo pude me informar pela Internet, até o dia 19/07/2007 havia tempo para enviar sugestões para completar essa cartilha (ou manual) de sobrevivência para brasileiros: conferir no site (www.mte.gov.br/consultamigrante ). Como essa croniqueta foi escrita no dia 19/02/2009, pena que não possa dar o meu modesto pitaco e gritar "voltem para casa". Agora mais do que nunca, com a crise mundial. E concluo com mais uma pergunta: diante da conjuntura econômica atual, o Brasil poderá dar guarida a esses retornados? Não podemos nos esquecer de que todos somos brasileiros, independente de cor da pele, raça, religião ou ideologia.É primordial que lancemos um alerta geral quanto a esse problema!

O REI ESTÁ NU

CRÕNICA TRANSCRITA PARA OS ANAIS DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE PERNAMBUCO

O REI ESTÁ NU

O Brasil é o país do duplo pensar. Conhecemos a inquisição de 1500 até 1821. Então você tinha um comportamento na rua e um comportamento interior, na sua casa. Isso é que esstá na Sociedade hoje. Essas pessoas estão falando apenas para o público externo. É um país que o dúbio, sem mencionar as chagas da escravidão e a matança dos ameríndios. De resto, é necessário que a nossa histografia de origem portuguesa seja reescrita pelos brasileiros. [Crônica escrita durante os acontecimentos ocorridos entre a Sociedade Desorganizada e o Crime Organizado (P.P.P) Primeiro Comando da Capital iniciado 14 de maio de 2006 - Dia das Mães]

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A Roupa Nova do Rei é um conto de fadas de autoria do dinamarquês Hans Cristian Andersen, publicado em 1837. Começa assim:

Era uma vez um bandido, fazendo-se passar por um alfaiate de terras distantes. Diz a um determinado rei que poderia fazer uma roupa muito bonita e cara, mas que apenas as pessoas mais inteligentes e astutas poderiam vê-la.

O ri, muito vaidoso, gostou da proposta e pediu ao bandido que fizesse uma roupa dessas para ele. O bandido recebeu vários baús cheios de riquezas, rolos de linha de ouro, seda e outros materiais raros, exigidos por ele para a confecção das roupas. Ele guardou todos os tesouros e ficou em seu tear, fingindo tecer fios invisíveis, que todas as pessoas alegavam ver, para não parecerem estúpidas. Até que um dia, o rei se cansou de esperar, e ele e seus ministros quiseram ver o progresso do "alfaiate"

Quando o falso tecelão mostrou a mesa vazia, o rei exclamou: "Que lindas vestes! Você fez um trabalho magnífico!", muito embora, não visse nada além de uma mesa, pois, dizer que não nada via seria admitir que não tinha a capacidade necessária para ser o rei.

Os nobres ao redor soltaram falsos suspiros de admiração pelo trabalho do bandido, nenhum deles querendo que achassem que era incompetente ou incapaz. O bandido garantiu que as roupas logo estariam completas, e o rei resolveu marcar uma grande festa na capital para que ele exibisse as vestes especiais, quando descesse a rampa do seu palácio do Planalto.

O leitor deve lembrar-se dessa história, da sua própria infância, sobre dois espertalhões que enganavam o rei, dizendo que iam vesti-lo com um traje finíssimo?

No final, o rei sai todo pomposo desfilando pela rua, e todo mundo nota que ele está nu, mas ninguém tem coragem de falar. Enquanto o protagonista desfila pela Rampa, um menino grita: "O rei está nu", e todos concluem que, se uma criança, com toda sua pureza, constatava que o monarca estava mesmo exposto em suas vergonhas, é que tudo naquele reino não passava de uma farsa.

E o nosso mito majestático, desmoralizado, recolheu-se ao castelo e jamais saiu de lá até a morte. Quando ao "costureiro vigarista", deu o fora com o ouro pago e não se soube mais dele, pois foi viver em um paraíso fiscal.

E por pior: todos os ministros e assessores que não ousaram admitir que não havia roupa nenhuma caíram em desgraça e foram demitidos.

Até ai, nenhuma novidade. Mas, graças a louvável esforço de pesquisa, técnicos em Ciências Carochinhas decidiram dizer não às convenções e apresentar a versão não-autorizada desse embuste, desenvolvida segundo os conceitos vigentes na sociedade e ambiente de longínquo país latino-americano. Toda desgraça teve início quando um bandido chamado Frajola gritou pelo celular:

"O rei está nu! O rei está nu!" Esqueceu que, no Brasil, nós todos "estamos nus".

DO LIVRO MARRANISMO EDIÇOES BAGAÇO, RECIFE, 2005.

RESPOSTA DE UM JUDEU NORDESTINO

(MARRANISMO)

Meraldo Zisman

... De quando sou interpelado por algum amigo qual a minha posição do conflito entre Palestinos e Israelenses... (Continuação)

Pretendo, neste artigo-reposta referir brevemente sobre marranismo no Brasil. Não devemos esquecer que essa histórica toda - dessa estranha Gente da Nação - foi alevantada pelo historiador pernambucano José Antônio Gonçalves de Mello, um dos poucos intelectuais que inauguraram o conhecimento do fenômeno marrânico na moderna historiografia brasileira, desnudando o preconceito antijudaico e restabelecendo a importância da contribuição dos judeus-portugueses, enquanto muitos de seus contemporâneos estereotiparam o hebreu em suas obras clássicas, sobre a gênese do povo brasileiro, tentando esconder seus preconceitos através de teorias pseudocientíficas de superioridades raciais. Como se, no gênero humano, houvesse raças puras e raças impuras ou superiores e inferiores.

Definindo o significado e a etimologia do vocábulo marrano: Diz-se do judeu ou mouro que, embora professando abertamente o Cristianismo, para evitar perseguições da Inquisição, permanece fiel à sua religião de origem. Muito embora o verbete marrano esteja dicionarizado pejorativamente como sinônimo de porco, sujo, asqueroso, excomungado, maldito e até de gado-ruim, no Rio Grande do Sul, prefiro, por razões emotivo-sentimentais, tomá-lo como vocábulo originário do hebraico, mar (amargo) e anussim (forçado). Forçado a deixar amargamente a religião de seus ancestrais e que, agora, muitos de seus descendentes desejam tornar ao seio de Israel.

Por sinal determinados vocábulos brasileiros são exemplos de nosso sincretisano. Por exemplo:

"OXALÁ" é vocábulo de dupla acepção e origem:

Quando escrita com inicial "O" maiúsculo significa divindade afro-brasileira, toma o lugar de Oloru (o espírito supremo). Sua cor preferida é o branco. Seu dia de devoção é sexta-feira, e os animais sacrificados em sua homenagem são cabras e pombos brancos.

Na correspondência entre orixás e santos católicos, é identificado com Nosso Senhor do Bonfim, na Bahia, ou com o Padre Eterno, Jesus Cristo e, raras vezes, com o Divino Espírito Santo.

O outro significado de oxalá (com, ‘O', minúsculo) é uma interjeição de origem árabe (semita), cujo sentido significa queira Deus; prouver a Deus: exprime o desejo de que certa coisa suceda; tomara que sim!

Oxalá tudo saia como planejamos!

Essa diversidade de interpretação do português falado no Brasil é exemplo da amálgama de concepções heterogêneas que se sedimentaram na formação do brasileiro, não o brasileiro do Eça de Queirós: o português que fez fortuna no Brasil e voltou para Portugal abonado, porém permaneceu um mal-educado, é entre nós o tipo de caricatura mais francamente popular. Conferir em Farpas, fevereiro de 1872.

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Considerando que as nossas origens marrânicas jaziam soterradas pelos poderosos de plantão e outros motivos mais, não me cabe, no momento, aprofundar-me.

O rio marrânico de nossa formação, apesar de soterrado pelo antijudaísmo, não importa se por razões religiosas ou, mais tarde, raciais, como na ditadura do Estado Novo, permaneceu, apesar das discriminações, irrigando nossa formação, ajudando a aplainar as diferenças das nossas diferentes etnias, formadoras de nossa gente.

Não podendo mais, em pleno fim do século 20 e início do XXI, alguns dos nossos pesquisadores, solapar a verdade de o fato histórico ser contido, resolveram desbravar, com sua pesquisa moderna e menos arraigada ou limitada, pois, como diz o Talmude: A verdade como o azeite sobe a água que camufla os mentirosos ou bajuladores do Poder como lamparina para iluminar os nossos passos. Eis que explode, como a força da água represada, em numerosos trabalhos histórico-científicos. Oxalá continue emergindo, mais e mais, e queira Deus deixe os círculos acadêmicos, ganhe o mundo, ganhe as ruas, as esquinas e as praças, antes que algum brasilianista dos states dela se apodere.

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Marranismo à brasileira

Diferentes dos marranos que se fixaram em outras plagas "deste mundo vasto mundo", foram os portugueses, cristãos-novos - cristãos-velhos, os achadores do Brasil. A demografia de Portugal, na época dos descobrimentos, era constituída por um milhão de católicos e 200.000 judeus! Bastaria tal fato para explicar a importância numérica dos judeus na constituição de nossa gente e país.

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Aliás, muito antes das viagens dos Descobrimentos, o infante D. Henrique convocou o judeu Jehuda Cresças, então vivendo nas Ilhas Baleares, personagem também conhecido como Jácome de Majora, cognominado El judio de lãs Brújulas, para chefiar, fazer parte do corpo docente da Escola de Sagres, e foram tantos outros: astrônomos, navegadores, matemáticos, lingüísticos de origem semítica que traçaram e colaboraram com o Ciclo dos Descobrimentos, cuja culminância, para Portugal, foi a Descoberta do Brasil. Nomes tantos que seria enfadonho enumerar.

Esses novos católicos-marranos-portugueses aportaram a Terra da Santa Cruz como descobridores, pioneiros, colonizadores, governadores, para fundar uma Nova Nação em um Mundo Novo. Já na frota do Almirante Pedro Álvares Cabral, viajaram eles como conselheiros, especialistas e muitos marinheiros judeus ou cristãos-novos fizeram parte da esquadra do Almirante nascido em Belmonte, lugar conhecido internacionalmente pela prática do cripto-judaismo, até os dias de hoje.

Cito alguns integrantes da frota cabralina pela relevância:

Mestre João, astrônomo e que tinha, como missão, testar instrumentos náuticos criados por outro judeu, Abrahão Zacuto; Pedro Nunes navegador, Gaspar de Lemos ou Gaspar da Gama, capitão de navio, intérprete e considerado, por muitos historiadores, co-descobridor do Brasil.

Na verdade, em nenhum momento de nossa História ou mesmo na Pré-História da Descoberta do Brasil, os judeus, convertidos e os não-convertidos, deixaram de fazer parte do feito-mor lusitano: o achamento do Brasil. Posso asseverar que inexiste país onde a contribuição dos cristãos-novos, marranos, convertidos à força ou por vontade própria, foi tão evidente e perene como na formação brasileira. Nas levas dos denominados degredados e delinqüentes, o crime maior era o de judaizante (judaizar é observar e praticar a lei dos judeus).

Na Igreja, mesmo entre seus catequizadores, vieram muitos cristãos-novos em seus quadros, como é o caso emblemático do Padre Anchieta, descendente de judeus.

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Em Portugal, estavam ameaçados, por "todos os lados", pela Inquisição. Esses fugidos ou refutados e amedrontados, constituíram a espinha dorsal da nossa europeização e colonização, apesar do longo braço da Inquisição, de cujos rigores não escapou um dos maiores oradores sacros: o Padre Antonio Vieira.

Apesar de saber que qualquer forma de colonialismo é deletéria (não há bom colonizador nem neocolonizador honesto), Portugal legou-nos muitas coisas boas. Uma das mais belas línguas do mundo, a nossa dimensão continental: a maioria dos bandeirantes era de origem cristã-nova. O ouro branco do açúcar era tecnologia dominada pelos judeus-portugueses, a mineração e o ciclo do ouro em Minas Gerais, a floresta amazônica, o que encetou a vinda de milhares de judeus de Marrocos e de outros lugares da África do Norte, para tomar parte no ciclo da borracha, criando uma neodescendência de judeu mameluco, que ainda não foi suficientemente explorada como outras escondidas riquezas da floresta, o pau-brasil, do qual Fernando de Noronha, essa misteriosa figura de donatário, empreendeu o início do desmatamento nacional com o mercado do pau-brasil. Sem dúvida, era um cristão-novo!

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A continuidade territorial

Quanto aos mistérios dos costumes desses sertões brasileiros, tão grandes e tão assemelhados, podem-se explicar pela mobilidade dos cristãos-novos no Brasil Colônia.

Apesar de encontrarmos famílias européias portuguesas, radicadas durante gerações nas mesmas regiões, de um modo geral, a população branca era de descendência cristã-nova e, apresentava uma grande instabilidade. A vigilância constante a que estavam expostas por parte dos agentes inquisitoriais, muitas vezes, impedia a sua radicação.

Sem esquecer que foram também os interesses econômicos dos judeus-portugueses que os levavam a residir temporariamente em vários lugares e mantinham uma união secreta entre familiares, cristãos-velhos, livres-pensadores, formando um continuum de casualidades de crenças, liberdade impossível de ser pensada ou praticada na velha Sefarad (palavra hebraica que designa a Península Ibérica). A Inconfidência Mineira leva muitas características desses tipos de associações. Os poetas, ah! os poetas, sempre chegam primeiro que os cientistas! Minha Pátria é Minha Língua (Fernando Pessoa).

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Os marranos de Portugal fugiram para o Brasil, principalmente.

Aqui, deitaram suas raízes, não para enriquecer ou, como dizia a maioria dos imigrantes europeus: fazer América, chegaram para ficar.

Assim como os negros escravos não desejam tornar à África, nem o japonês ao Japão, fizeram deste país tropical a sua pátria. Misterioso encanto... a Terra brasilis! Não vamos esquecer, por favor, os índios - verdadeiros proprietários (e o que deles restou). Devem ser respeitados os poucos remanescentes, nas suas riquezas culturais e ecológicas. Lamentavelmente, somente agora, em 2006, temos o primeiro índio doutor!

Voltando ao marranismo à brasileira, foram os cristãos-novos ou marranos que desbravaram as selvas, cultivaram a terra, apresaram índios, guerrearam os jesuítas, foram homens totalmente diferentes dos judeus de origem ashkenaze: judeus de fala iídiche, oriundos dos países da Europa Central e Oriental ou dos sefardins, descendentes dos primeiros israelitas de Portugal e da Espanha, expulsos, respectivamente, em 1496 e 1492, que se dispersaram pela Itália, Holanda, França, norte da África, Levante e outros lugares do Mundo.

Falar dos cristãos-novos, generalizando sua atuação e sua mentalidade, tem levado a uma concepção errônea do que foi o fenômeno marrano brasileiro. Antes precisamos de ungüentos para cicatrizar a chaga da escravidão, a vergonha da Inquisição e renovar o que nos ensinou o Genocídio dos povos indígenas. Para isso, conclamo a nossa elite intelectual..., principalmente a nordestina, a trabalhar para resgate do nosso passado.

Pensar que, em plena crise da Violência e do Crime Organizado, o governador do Estado de São Paulo (2006), Cláudio Lembo, diga:

O Brasil é o país do duplo pensar. Conhecemos a Inquisição de 1500 até 1821. Então você tinha um comportamento na rua e um comportamento interior, na sua casa. Isso é o que está na Sociedade hoje. Essas pessoas estão falando apenas para o público externo. É um país que é dúbio, sem mencionar as chagas da escravidão e a matança dos índios.

Em momento algum, aceito tal declaração pondo em perigo nossa frágil Democracia. Aceito, com restrições, tal desabafo como aviso aos nossos historiadores. Urge que nossos antropólogos, sociólogos e geógrafos façam, e divulguem ao povo um melhor conhecimento de nossa historiografia: da miscigenação e igualdade entre as diversas etnias formadoras de nossa gente.

O Professor. Avi Gross, especialista em Judaísmo Português e Espanhol e Marranos do Departamento de História Judaica, na Universidade Ben-Gurion em Beer-Sheva, no deserto de Neguev, afirma ser a concentração de convertidos à força mais numerosa nos estados do Nordeste brasileiro, principalmente Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba.

Em época tão tumultuada, é sumamente pertinente propagar a Nostra Aetate: Sobre a Igreja e as Religiões Não-Cristãs (Declaração do Concílio Vaticano II - ano de 1965):

Hoje, que o gênero humano se torna cada vez mais unido, e aumentam as relações entre os vários povos, a Igreja considera mais atentamente qual a sua relação com as religiões não-cristãs. E, na sua função de fomentar a união e a caridade entre os homens e até entre os povos, considera primeiramente tudo aquilo que os homens têm de comum e os leva à convivência.

*********

Acredito que, quando um povo está buscando se conhecer e não se envergonhar da suas raízes, passa a ser exemplo de concórdia para o mundo. Mundo esfacelado pelas guerras, pelos terrorismos de todos os naipes e os homens-bomba: terão suas chamas autocriminosas extintas pelo exemplo do novo homem brasileiro.

Daí lembro, aos meus patrícios, que a contribuição que une a nossa nação à saga do povo judeu é muito importante para entendermos a gênese do povo brasileiro. Porém, muitas vezes, fico pensando nessa herança maldita da Inquisição e em certos comportamentos do nosso homem interiorano, maioria das vezes, um valente, silencioso e reservado. Impossível saber o que pensa. Do não-parecer. Da economia. Do não-ostentar. Das festas e da religiosidade expostas, essas, sim, bastante às vistas. Dos postigos sempre cerrados e protegidos dos olhos dos curiosos. Falar o menos possível, medir o que se diz. Ao prestar um serviço, dizer com insistência:

- Desculpe qualquer coisa! - Como se desejasse pedir desculpas por algo que nunca fez. Evitar qualquer deslize é seu cuidado maior. Algo que poderia ser mal interpretado e, depois, servir da acusação no tribunal do Santo Ofício. Ninguém pode confiar em ninguém. Acusações podem surgir do nada. Não faltar à missa aos domingos, não perder uma procissão, andar na frente, comungar e acatar a palavra do pároco. Foram 300 anos da Inquisição, quinze gerações, e isso fica gravado no inconsciente coletivo de um povo. É a herança cultural da Inquisição.

Lembro a todos que a palavra religião vem do latim religare, que é a forma de uma pessoa se ligar a outra. Assim é como vejo o Marranismo Brasileiro, uma maneira de união para a criação do novo homem do século XXI. Certamente, esta seja uma das missões que cabe ao intelectual brasileiro: divulgar!


RETIRADO DO LIVRO -- PEQUENOS ESCRITOS DE UM MÉDICO
EDITORA LIVRO RAPIDO www.livrorapido.com.br

SÓCRATES

A vida me ensinou a nunca desistir
Nem ganhar, nem perder, mas procurar evoluir.
Podem me tirar tudo que tenho
Só não podem me tirar às coisas boas que eu já fiz
para as pessoas que eu amo
.



Pelo título, não pense que estou me referindo ao filósofo grego e, muito menos, ao craque futebolístico, mas, sim, ao meu cachorro da raça Labrador, ao qual batizei de Sócrates. Comprei-o em um canil, lá pelas bandas de Aldeia, arrabalde da Região Metropolitana do Recife, especialista em criação dessa raça e recomendado pelo meu confrade médico veterinário e engenheiro agrônomo Paulo Ponce de Leon Filho, que é o seu padrinho.

Originário, o meu Sócrates, de uma ninhada de cinco filhotes. Três deles, antes de nascer, foram adquiridos pela polícia de Brasília. Sobraram dois: um preto e o outro cor de chocolate. Pensei: Qual dos dois eu levo, o preto ou o chocolate? Indeciso fiquei! Enquanto pensava e me decidia qual dos dois filhotes levava, uma criança se aproximou e exclamou: - Papai, quero o chocolate!

O filhote preto saiu andando, e sua barriga era muito sem jeito. Andava como se fosse com a carroceria troncha de um caminhão (de bandinha). Balançava de um lado para o outro, o seu andar era diferente. Tinha jinga de sambista. Corri atrás dele. Por mais que corresse, ele se afastava. Parava e olhava para trás, me desafiando. Olhava para mim, virava o focinho para frente e continuava a sua marcha... Alcancei-o, finalmente, enquanto seu olhar maroto dizia tudo que seria a personalidade do meu novo companheiro. Aninhou-se nos meus braços e estava selado o pacto da nossa amizade. A escolha passou de eliminação para a afeição, que permanece entre nós, até hoje. Naquele instante, senti os verdadeiros valores da vida. Aos 70 anos, tinha meu cão. Meu sonho de criança foi realizado.

Sócrates me ensinou muita coisa. Pensava que cachorro era parecido com os homens. Ledo engano! Para começar, o cão não sabe mentir nem fingir: O rabo o denuncia. O cão, como chamam os criadores de raça pura, é incapaz de dissimular seus sentimentos. O rabo o acusa. O faro o faz ter certeza de suas escolhas e também denuncia os seus anseios. Não perde tempo para pensar. Ser cachorro é ser existencialista. Tudo é atual, momentâneo, impulsivo, A vida para ele é o que acontece; as suas investidas são em direção das vontades vindas das entranhas. Eclodem; num gesto repentino, inesperado, acerta uma lambida em meu rosto ou apanha um chinelo ou meias para escondê-las nos locais mais esdrúxulos. Quer sempre brincar, sabe quando estou mais triste ou menos triste. Respeita a minha dor e reconhece quando o dono está chateado. Fiquei com Sócrates, o preto, e não me arrependo. Confio no sentimento. Acredito em amor à primeira vista . As escolhas, grandes escolhas que fazemos na vida, são inexplicáveis.

Deixando de lado a filosofia, voltemos aos primeiros momentos do nosso encontro. Enquanto o segurava nos meus braços desajeitados, sentado no lugar do carona, minha mulher dirigia o carro. O velho, que abria e fechava a porteira do canil, disse:

- O senhor será muito feliz com ele. - E sou! Enquanto segurava o futuro amigo fiquei pensando qual o nome que daria àquele cãozinho.

- Sócrates foi como o batizei. Como seu xará filósofo, não escreve e terá a vantagem de ser um Sócrates sem um Platão para tomar nota de seus ensinamentos. Tem igualmente a vantagem de ser bonito e alegre. Vivi em nosso pequeno apartamento onde resido, apesar dos avisos dos entendidos que apartamento não é para cachorro daquele porte. Quando passeia, os transeuntes, apesar de atemorizados pelo seu tamanho, chamam a atenção para a sua beleza. Gosta muito de perambular pelas ruas, e as crianças adoram-no. Começou por destruir o modesto mobiliário da minha morada e, o pior, a exigir de mim e da empregada dedicação constante.

Quando posso, levo-o para a casa da praia, solto-o no grande terreno: corre muito, brinca, toma banho de mar, faz muita festa, fica alegre: Livre. Solto. Correndo. Sem coleiras ou enforcadores. Penso em o deixar lá. Logo. Acabado a novidade, volta para mim com um palmo de língua de fora, como se dissesse:

- Prefiro brincar com você. - E fica deitado bem junto aos meus pés. Sem mim, fica muito triste, apesar da liberdade, da areia, do gramado, dos pássaros, das aves e do mar de onde veio quando volto para o apartamento, que julgo ser para ele uma prisão. O pequeno apartamento fica menor sem Sócrates. Apeguei-me a esse animal como a ninguém na minha longa jornada. Conheço-o como a um filho querido. Recordo-me do tempo em que vivi sem Sócrates. Passei de não ser mais um velho solitário. Quando chego a casa, meu cão me faz festa. Sócrates foi crescendo. Quando completou dois anos de idade era impossível alguém me visitar. Lambia, ladrava, fazia uma festa para conhecidos e desconhecidos. Basta dizer que, na praia de Maria Farinha, é conhecido como Meninão, e os praieiros pensavam que o seu nome era em homenagem ao atleta. O único Sócrates "gente" que conheciam.

É um ser cordial e muito cuidadoso com seus afetos. Nas minhas angústias, penso sempre nele. Tem me recompensado as agruras da vida que passei e ainda vou passar. Com Sócrates, aprendi a lição: "Cada novo amigo que ganhamos na estrada da vida nos enriquece pelo que nos revela de nós mesmos". Nenhum homem conseguiu falar o que ele late, e eu não compreendo o seu falar:

Ser cachorro é pronunciar palavras de afetos que não fingem, escapando-se apenas em redemoinhos de latidos que melhor e mais dizem que a voz humana. É um au-au de amor, de aviso, de cuidado e de amizade. Muda o tom, quando algo está errado. Não sabe mentir. Quando ficava com o caseiro, sentia muita falta dele, e ele de mim (imagino eu). Deve ser verdade, pois deixava de comer. Não podemos viver um sem o outro. Tenho para mim que, em nossa amizade, existe uma dificuldade, meu cachorro vive 15 a 18 anos, terei que viver mais tempo para não deixar Sócrates por aí. Sabe qual a idade do meu cachorro? Dois anos! Tenho que viver mais do que calculava. Vou tentar. Não se deixa um amigo desses desamparado e muito menos solitário. Pobre de espírito é quem cunhou a frase: - Depois dos quarenta anos, não se faz mais amizades. Eu fiz.

A sabedoria de Sócrates vai me ajudar e ensinar. Sócrates é o cachorro por inteiro, global, completo feito uma única peça. Monobloco. E assim grudei-me ao cão. Meu cachorro! Como havia dito o velho que abria e fechava o portão do canil: - O senhor será muito feliz com ele. E sou!

Mas apesar dos maus olhos dos vizinhos, dos medos que o labrador preto causava ao descer o elevador do prédio, as coisas foram engrossando.

- Ele morde?

- Não, não morde - respondo.

Quando não convencidos, os elementos da classe social, meus companheiros daquele prédio-caixão, maioria da classe social média-baixa, passaram a ter medo de meu amigo. Eu somente tinha como argumento a pergunta:
- A senhora não vê a novela da Globo?

- A! sim! - respondia-me o atemorizado vizinho. Este cachorro é que é guia de cego.
E algum outro, ironicamente, disparava: - Ele, por acaso, tem dentes de borracha?

O pobre do Sócrates ficava sem entender nada daquela conversa da gente e queria brincar com suas enormes patas com o atemorizado personagem. Na rua, era a mesma coisa. Pensei em colocar uma plaqueta em seu pescoço, o que causava muito temor, quando ele comigo dava um passeio: Este cão é um labrador.

Ficava triste quando alguns transeuntes indagavam. E eu respondia, após a explicação de novela global.

- Da mesma raça do da novela da Globo. Serve também para a companhia de idosos. Não morde! Gosta de criança! Não ataca ninguém! Não me deixe sem ele, por favor, é minha melhor companhia e meu melhor amigo!

Mas, Sócrates começava a amedrontar os senhores e senhoras de Atenas, apesar dos meus esclarecimentos. O pior era o número de empregadas que entravam e saíam da minha casa. Nenhuma suportava descer três ou quatro vezes por dia com o cachorro. Eu cismava com todas. Será que estão maltratando Sócrates na minha ausência? Pensei em "dar-lhe fim". Ninguém queria aquele belo animal. A civilização do apartamento não compreendia nada. Tentei a Polícia: cão farejador, detector de drogas. Ouvi dizer que eles viciam os animais e, depois de um certo tempo, os matam. Descartado fazer o meu filósofo sentar praça. Não poderia imaginar, meu Sócrates, criado como meu filho, tendo tal fim. Descobri um site da Internet que adota cachorro. Anunciei. Depois de esperar muito, veio a proposta de uma possível adoção por um senhor do Rio Grande do Sul. Não gostei! Era muito longe! Nunca mais veria Sócrates.

Não sei o que vou fazer. Somente me resta tomar cicuta, nós dois, como seu xará. Porém, o cachorro Sócrates não está ensinado a desviar a nossa juventude. Não é casado com a Xantipa, e o dinheiro da feira, e muito menos é filho de uma parteira. Quem compra a sua ração sou eu, e ele somente acorda à noite quando o seu faro sente odor de estranhos. Em Filosofia, Sócrates tinha que ensinar aos seus discípulos o conhece a ti mesmo, enquanto o meu amigo já nasceu conhecendo pelo faro. Não, meu amigo, vou agüentar vivo, pena é: você deverá viver mais do que eu. Que pena de deixá-lo sozinho! Espero que não! Com ele, passei a conhecer melhor a mim mesmo.

A DOENÇA DA VIOLÊNCIA

A DOENÇA DA VIOLÊNCIA

Meraldo Zisman

Quando o clima de insegurança atinge a sociedade como um todo, a violência transforma-se numa reação corriqueira। Estudos demonstram que gestação que evolui em clima de medo, agressão, desamparo - influi na personalidade do indivíduo. O fortalecimento dos vínculos familiares é a única prevenção da

Doença da Violência.

É muito importante destacar que o desenvolvimento educacional deverá estimular os sentimentos de compaixão, compreensão e solidariedade; maneira essencial de criar uma cultura da não-violência. Uma das principais linhas de trabalho consiste em estabelecer "circuitos interativos" visando ampliar o campo da reflexão e de alternativas e de condutas cordiais entre as pessoas. Digo, sem sombra de duvidas que a cultura do "não violência" tem início dentro da família. Seguem-se alguns exemplos práticos de comportamentos.

  • Quando você arranca o brinquedo da mão do seu irmão, ele fica assustado e chora e eu fico muito zangada com você; aí a gente briga e você fica triste, achando que eu gosto mais dele do que de você. Não seria melhor conversar com seu filho ou filha sobre o assunto?
  • Sei que você está chateado(a) porque não vou poder sair com você, agora. Acontece que cheguei em casa muito cansada. Mas, em vez de ficar triste, poderíamos combinar outra coisa?
  • Fico danado da vida quando encontro sua toalha molhada em cima da cama. Coloque-a no banheiro, por favor, em vez de dizer: - Só um a idiota é capaz de deixar uma toalha molhada em cima da cama!
  • Pô, pai, você é careta demais mesmo, não dá pra entender por que eu quero ir a essa festa? Tente negociar uma solução mais satisfatória do tipo "Vamos tentar chegar a um acordo sobre o horário de sair da festa".

Senhores pais, em vez de se preocuparem com ganhar ou perder a discussão, preocupem-se em encontrar uma solução. Resolver o problema sem atacar a pessoa é promover a Educação para a Paz.

Muitos pais batem nos filhos - não só porque não conseguem colocar limites de modo firme, sereno e consistente, mas, sobretudo, porque acham que este é um meio legítimo de impor disciplina. No entanto, quando perguntados se acham que os professores ou a babá poderiam dispor desse recurso para serem obedecidos, ficam indignados e respondem: Claro que não! Portanto, se os pais acham que educadores e empregadas domésticas precisam usar métodos não- violentos para colocar limites e estimular o cumprimento das tarefas, por que eles próprios não conseguem fazer o mesmo?

Diversos métodos não-violentos de disciplina devem ser pensados, tais como colocar a criança "para pensar", privá-la temporariamente de coisas de que ela gosta ou restringir atividades tais como brincar com amigos ou ver TV ou entrar na Internet. O mais importante é saber que ninguém nasce violento. É preciso construir a mentalidade de que a violência é inaceitável, por parte de todos. A violência é um comportamento "aprendido" no processo socialização.

As linhas de ação para a prevenção e o tratamento da violência começam em casa. Devemos nos lembrar de que o ciclo da violência tende a passar de uma geração a outra: números expressivos dos adultos e adolescentes violentos, foram crianças vitimas de abusos de outros adultos quando crianças...

RETIRADO DO LIVRO -- PEQUENOS ESCRITOS DE UM MÉDICO
EDITORA LIVRO RAPIDO- Recife, 2007- www.livrorapido.com.br

domingo, 1 de março de 2009

ABALOS VOCACIONAIS
Não esquecer que ninguém chega ao fim da vida sem ter visto indeferido mais da metade de seus sonhos.

Meraldo Zisman

A Saúde passou a ser um bem de consumo. Esquecem que a Medicina não pode seguir essa tendência: a contabilidade do trabalho médico não poderá ser auferida unicamente pelo ganho monetário. Não foi isso o que me ensinaram na Faculdade. Porém, assisto, ao longo de meus 45 anos de vida profissional, a esse abalo vocacional dos praticantes do exercício da Medicina, pela maioria dos profissionais de Saúde (salvo as exceções de praxe).

Com o encolhimento do Governo no Setor da Saúde, assisto ao crescimento de hospitais luxuosos para atender a uma minoria que pode pagar um plano de Saúde de preço estratosférico. O resultado foi o sucateamento da Medicina Estatal, da Previdência Social e das ações do Ministério da Saúde. Importaram-se modelos completamente estranhos à nossa tradição médica.

Explicações do tipo: aumento dos gastos, tecnologias novas e caras, aumento da média de vida do brasileiro comum, não me parecem elucidação convincente para o caos na Saúde. Importaram-se gerenciamento e tecnologia de países de formação histórica bem diversa da nossa. Novos hospitais particulares são como ostentação de riquezas que se parecem mais com bancos ou hotéis de cinco estrelas, ao lado das filas vergonhosas dos pobres a mendigar atendimento médico. Com a valorização da tecnologia, os médicos passaram a ser meros manipuladores de máquinas. Outro fato a que assisto surpreso é o investimento de aparelhagens médicas, mais para shoppings ou bancos ou cassinos.

Vejo os jovens médicos maltratados, mal pagos, insatisfeitos e desumanizados ou, então, ganhando rios de dinheiro, quando dominam alguma dessas tecnologias de ponta ou têm capacidade empresarial. Nem, nos países mais ricos, assisto a tantos gastos com exames complementares, e tanta maldade de conservar, em manter em UTI, pacientes irrecuperáveis e que ficariam mais bem assistidos na companhia dos familiares.

O que importa para esses empresários é o aumento do faturamento, e não o bem-estar da pessoa. O resultado é o desbaratamento dos jovens médicos (e médicas) e dos pacientes sofredores. Não sou contra o sistema ou a capacidade empresarial para o lucro, mas se tratando de vidas humanas - é diferente. As Leis de Mercado na Saúde não têm vez. Isso é uma vergonha!

ABALOS VOCACIONAIS II

Capítulo I

Dos presentes não se fala

Falar a verdade sempre foi muito perigoso. Mas vamos aos fatos. Denomino de pesquisinha uma série de trabalhos que pululam em revistas médicas, geralmente patrocinadas por laboratórios farmacêuticos, sem corpo editorial de valor, sem serem indexadas e servem para inchar currículo de professores numa propagação de also-paper, indiscutível. Na maioria das vezes, vão direto para a lata do lixo dos consultórios dos esculápios. Refletem-se, seus conteúdos em nossas Jornadas e Congressos, engessados nuns mesmíssimos de pessoas e de assuntos acompanhados do conchavo:

Capitulo II

- Me convida, que te convido.

E tomem congressos, palestras, reuniões e jantares em suntuosos hotéis de cinco estrelas, centros de convenções, acompanhados de distribuição de pastas, canetinhas, bloquinhos, calculadoras e até computadores! Brindes? Dos mais extravagantes. Soube de um congresso que sorteou uma lancha entre os participantes, e outro, um cavalo Manga Larga Marchador, esse obviamente realizado em Minas Gerais. Quando olho os auditórios cheios de moças e rapazes, jovens médicos com vontade de aprender, tenho pena. Parecem mais bandos de sacoleiros e sacoleiras vindos do Paraguai.

Os apresentadores (quase sempre os mesmos) fazem uns sumários de atualizações didáticas, facilitadas agora pela Internet, ajuntados (quando muito) a uma esquálida casuística pessoal ou compilada dos centros mais adiantados, de preferência, da multinacional fabricante da nova medicação.

Saber comunicar, ser um bom apresentador, simpático à audiência, passa a ser uma figura de renome. Será que não erraram de profissão? Melhor fossem âncoras dos programas televisivos!

Capítulo II

Caricatos

Um biólogo estudava o aprendizado e o comportamento das formigas. Ele pega uma formiguinha, diz:

Formiguinha, anda - e a formiga anda.

Arranca uma das patas da formiga e repete:

Formiguinha anda e, mesmo capenga, a formiguinha anda.

Vai então arrancando as patas do inseto uma a uma, até que, quando arranca as seis patas da formiga, repete:

Formiguinha anda; e a formiga não se move.

Conclusão: formigas sem pernas são surdas.

Também tenho outra, antes de as nossas carroças possuírem injeção eletrônica. Um mecânico pesquisador levanta a tampa do motor e desliga os cabos das velas. O motor pára.

Conclui:

-O que faz o carro andar são os cabos das velas.

Capítulo III

A ex-comunhão

Cenário:

Reunião da Sociedade de Pediatria. Local: Rio de Janeiro. Comitê Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno.

Descoberta: leite materno é o ideal para as crianças, e leite de vaca é o mais adequado para a alimentação dos bezerros. Pesquisinha boa, pois muito menino deixou de morrer de diarréia. Pois bem, a douta comissão era formada por duas senhoras vitalinas (moças, idosas, solteironas) e dois senhores homossexuais declarados (não havendo SIDA, naqueles tempos, ainda estão vivos, e eu respeito a opção sexual d cada um. Para mim, isso não conta, pelo contrário, respeito a coragem de quem assume o que é, o direito das minorias, para mim, é sagrado. Declarou-se uma verdadeira guerra às mães que não amamentassem. E assim o leite materno passou a ser dogma.

Uma cliente minha, por não ter leite, tinha se suicidado. Eu dei meu pitaco naquela reunião: que devemos ser mais precavidos em generalizar as coisas. Existem mulheres que não têm secreção láctea, existem contra-indicações formais à amamentação por serem psicóticas etc. e, que, em Ciência, inexistem verdades imutáveis.

Muitas vezes, a mulher não amamenta por problemas psicossomáticos, o pai fica enciumado, a mãe tem que trabalhar, câncer de mama, mastectomias, etc. etc, e poderemos em certos casos, com esse dogmatismo, causar mais mal do que bem.

Os quatro doutos membros da Comissão caíram em cima de mim como abutres. Fui esmagado, triturado e acusado de estar vendido a uma multinacional que fabricava leite em pó e que, por sinal, era uma das patrocinadoras daquela reunião de programa do incentivo ao aleitamento materno.

Era jovem. Inexperiente. Cheio de testosterona. E, quando ouvi essa torpe acusação à minha pessoa, disparei:

Como podem, quatro solteirões que nunca vão ter filhos(opção própria), opinar sobre problemas de maternagem e paternagem?

Capítulo IV

Final

Nunca mais fui convidado para nada. Fui excomungado. Que pena! Na verdade, quem é que não gosta de mordomia? Cada um é o que é! Somente me resta o consolo da consciência tranqüila, filosofo eu, aqui do meu retiro.