quinta-feira, 5 de março de 2009

Rádio Clube de Pernambuco (PRA8)



OITENTA ANOS NO AR

Meraldo Zisman


No dia 6 de abril de 1919 foi fundada a Rádio Clube de Pernambuco (PRA8). As datas ou acontecimentos históricos permanecem indeléveis nas lembranças, quando fazem parte das memórias de infância. E este foi o meu caso, em relação à pioneira Radio Clube.

A partir de 1942, o Nordeste passou a acompanhar as notícias da Segunda Guerra Mundial pelo Repórter Esso - um programa retransmitido no Recife pela PRA8. Lá em casa, a hora do noticiário era sagrada. Todos ficavam escutando as novidades, silenciosamente, em volta do rádio Philips (com válvulas) protegido por um pano, que minha mãe havia bordado com carinho. Aquele era o aparelho mais importante da casa, de porta e janela, na Rua da Alegria, bairro da Boa Vista, onde morava a maior parte dos judeus fugidos das perseguições nazistas. Esse grupo de europeus era (ou aparentava ser) tão grande, que o bairro era conhecido como "Gueto da Boa Vista", cujas ruas, becos e vielas pareciam córregos a desaguar na Praça Maciel Pinheiro, um ponto de concentração obrigatório dos "russos" - termo através do qual o povão e as "pessoas de bem" do Recife designavam os estrangeiros prestamistas.

Foi naquele logradouro de belo chafariz que, deslumbrado, escutei as primeiras discussões políticas e as tragédias da Segunda Grande Guerra. Dentre elas, recordo-me a importância da Radio Clube, cujas ondas hertzianas varavam as paredes das modestas residências, quase sempre subdivididas por tabiques, que abrigavam várias famílias. O tema preferido desses "gringos" eram os avanços das tropas russas. Muitos deles discutiam com entusiasmo, em tom bem alto, empregando uma mistura de português com iídiche (dialeto falado pelos judeus oriundos da Europa Oriental).

A Batalha de Stalingrado, o desembarque da Normandia, o Marechal Zukov e o Marechal Timoshenko, eram as pièces-de-résistance das acaloradas discussões, embasadas pelas notícias dos locutores da PRA8. Para mim, criança ainda, foi emocionante ouvir o speaker (assim denominado o locutor, na época) da Radio Clube noticiar o fim da Segunda Guerra Mundial e, via de consequência, o final do Holocausto.

Como sou judeu, o fato de a história de parte de minha vida chegar através da pioneira Radio Clube de Pernambuco foi marcante. Obrigado, minha velha e nova PRA8! Feliz aniversário! Lembrem-se, caros leitores: a História não possui um tecido próprio, ela é engendrada mediante pequenas histórias individuais, como esta!

DIFERENÇAS DE MENTALIDADES*

DIFERENÇAS DE MENTALIDADES*

Meraldo Zisman

Psicoterapeuta

Vicky Cristina Barcelona é o titulo do filme escrito e dirigido por Woody Allen, exibido no Brasil em novembro de 2008, e interpretado pelos atores Javier Bardem, Scarlett Johansson, Rebecca Hall e Penélope Cruz. As duas protagonistas - Vicky e Cristina -, ambas americanas, são grandes amigas em férias em Barcelona. Vicky faz o tipo mulher sensata: está noiva e vai se casar em breve com um nerd americano. Cristina, por sua vez, está sempre em busca de uma nova paixão para agitar mais sua cabeça desmiolada. O enredo é mais ou menos assim, tendo como pano de fundo a encantadora cidade espanhola de Barcelona.

Certo dia, em uma galeria de arte, elas conhecem Juan Antonio, um pintor espanhol do tipo latin-lover made in Hollywood, que, segundo as fofoqueiras locais, acabara de sair de um divórcio atribulado, tendo sido, até, esfaqueado pela sua (ex) mulher Maria Helena - interpretada pela fogosa, encantadora e maravilhosa atriz Penélope Cruz.

Ainda naquela noite, durante o jantar, o pintor Juan Antonio (Javier Bardem) se aproxima da mesa em que Vicky e Cristina se encontram e lhes faz uma proposta de viajar com ele para Oviedo. Vicky, de imediato, sempre muito ajuizada, inicialmente rejeita a idéia; mas, Cristina a aceita e consegue convencer a amiga a acompanhá-la. Este é o início do relacionamento conturbado de ambas com Juan Antonio; e, piora, depois, quando entra em cena a mulher do pintor. Nesse imbróglio, Woody Allen teve a oportunidade de evidenciar seu talento genial: ele é um neurótico, no campo da psicodinâmica humana.

Acho, porém, que faltou algo nesse filme. Percebi uma dificuldade de entrosamento entre a civilização "latina" e a "anglo-saxônica". As duas culturas se admiram mutuamente, mas, não se interpenetram. Assim como Barcelona, são estereotipadas e voltadas para o turismo, bem ao gosto dos norte-americanos. Na película, eu senti uma dissociação entre o cenário (a cidade de Barcelona), a biografia das americanas, e, também, a do Diretor. Das três artistas, fico com Penélope Cruz, muito embora as americanas sejam de tirar o fôlego de qualquer mortal. Por fim, afirmo que as duas culturas podem se amar ou se odiar, porém, jamais se casar. Com toda a certeza, não dará certo: as mentalidades de ambas são muito diferentes.

* A ARIZ PENELOPE CRUZ RECEBEU O OSCAR ( FEVEREIRO DE 2009) COMO A MELHOR ATRIZ COADJUVANTE, ENQUANTO O HUMOR JUDAICO SE FAZ PRESENTE DO PRINCIPIO AO FIM DE MAIS UM FILME DO CINEASTA WOODY ALLEN.

segunda-feira, 2 de março de 2009

MARLEY & EU

(direito a morrer com dignidade)

Meraldo Zisman

Psicoterapeuta de Jovem

Depois do Natal, fui assistir ao filme "Marley e eu", que tem, no elenco, o ator Owen Wilson, como John Grogan (autor do livro homônimo), e a atriz Jennifer Aniston, como sua esposa Jenny. Líder de arrecadação norte-americana, e produção da 20th Century Fox, ele se tornou o primeiro filme, passado em um feriado de Natal, a alcançar US$ 100 milhões de bilheteria. Seu roteiro gira em torno de um casal de jovens jornalistas que, após perderem o primeiro bebê, decidem criar um cachorro. Eles vão a um canil, compram um filhote da raça labrador retriever, e o batizam com o nome Bob Marley, o mesmo do famoso cantor de reggae.

A película evidenciava as incríveis peripécias de Marley: ele quebrava portas, comia roupas, lançava-se sobre os visitantes, roia mobílias, e terminou sendo expulso de uma escola de treinamento de cães. Depois disso, a família decidiu castrá-lo, em uma tentativa (frustrada) de torná-lo mais calmo, e não degenerar a raça.

A despeito de seu mau comportamento, Marley conseguia ser muito amado, tanto pelos Grogans, quanto pelos filhos do casal que foram nascendo. Era realmente encantador observar o carinho de todos por ele, apesar do desespero dos amigos e conhecidos frente às suas peripécias imprevisíveis. O cachorro fazia parte, realmente, da vida do casal, e acompanhava todos os acontecimentos e nuances da biografia da família, sendo muito solidário, com seus donos, na dor e na alegria.

Em muitos momentos, a câmera focalizava os Grogan, do ponto de vista de Marley; outras vezes, focalizava do ponto de vista das pessoas, sem que o espectador pudesse distinguir a visão que prevalecia. Os sentimentos e as reações do cachorro eram bem radicais e opostos. Para ele, era tudo ou nada: ele gostava ou não gostava. Era como dizem por aí: "se você adotar um cão e torná-lo próspero, ele não o morderá". Eis a diferença entre um homem e um cão.

Com o correr do tempo, porém, Marley foi envelhecendo: perdeu as forças, não pode mais correr atrás das crianças, passou a ter doenças e achaques da velhice. A família o amparou e o protegeu, sentindo que ficou idoso. Marley desapareceu algumas vezes, mas os familiares disseram que os cachorros sabem quando sua hora derradeira chega, e preferem ficar sozinhos.

No entanto, isso não ocorreu. Marley passou seus últimos momentos com o Grogan pai, em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) veterinária, longe das crianças e do lar. Terminou sendo sacrificado na clínica, e enterrado pela família, com todo o carinho possível, no jardim de sua casa.

Esse é um filme triste e real como a própria vida. Como médico, acredito que Marley, por se tratar de um cão, pôde ser sacrificado humanamente. Embora tenha sido muito piegas, seu enterro foi bonito e todos que o amavam estavam lá.

Agora, pergunto: não seria melhor, para Marley, que o sedativo mortal tivesse sido administrado na presença de seus entes queridos, e ele tivesse morrido junto daqueles que o amavam?

Nunca poderemos saber o desejo de Marley porque cães não falam: eles são, tão-somente, monoblocos de emoções, amor e paixão.

Infelizmente, o ser humano não goza dos mesmos direitos que os animais, ou seja, não lhe é permitido morrer em casa, ao lado de seus familiares. Em geral, as pessoas morrem rodeadas por profissionais competentes e equipamentos sofisticados. E, no final, os médicos dizem: foi feito tudo!

Entre os meus conhecidos, desconheço quem teve o direito de morrer na própria casa. Eu aconselho: escrevam nos testamentos que lhes permitam morrer em paz, cercados dos entes queridos. Na prática, acho que as famílias deveriam ter um médico de confiança, como antigamente havia o chamado "médico de família".

Que falta faz um médico amigo nessas horas!

Vivemos acorrentados, hoje, a regras desumanas. Há bastante comoção no filme porque, no fundo, todos desejam possuir os mesmos direitos que o cão. Para mim, é essa a mensagem de Marley e eu: faz-se necessário repensar tanto a trajetória do cachorro, quanto a das pessoas a seu redor.

EMIGRAÇÃO Uma nova tragédia nacional

EMIGRAÇÃO

Uma nova tragédianacional

Meraldo Zisman

Emigração é a saída espontânea de pessoas de uma região para outra, dentro de um mesmo país ou de um país para outro. Conceituado isso, vamos ao caso emblemático que recentemente envolveu uma moça brasileira na Suíça. Esse caso atinge de maneira insólita o Brasil, pela atitude intempestiva dos nossos governantes, respectivamente Ministro do Exterior e Presidente da República, à qual se acresce a falta de comedimento dos nossos homens de Imprensa.

A veracidade ou fantasia da agressão da jovem - não importa se auto-infligida ou realizada por xenófobos - aviva o preconceito contra os brasileiros que por falta de oportunidade, foram obrigados a migrar. Faltou humanismo aos nossos Poderes (incluindo o 4º Poder - A Mídia) - "a dor de uma família deveria e poderia ser mais bem respeitada". Por outro lado, esse caso chama a atenção para um fenômeno que está ocorrendo em nosso país e que é hipocritamente escondido da grande maioria de nossa população - um segredo de polichinelo: a emigração brasileira e a busca de uma nova cidadania, baseada na ancestralidade original... Continuo:

A partir da década de 60, a emigração de brasileiros (para fora) do País foi aumentando, agudizou-se em 1980 e daí para diante, somente aumentou. Observações sociológicas mais aprofundadas apontam de serem muitos desses emigrantes jovens altamente qualificados e não, como distorcem, serem os brasileiros pobres o principal item de exportação, destinado à prostituição feminina ou masculina a domicílio, como se propaga na Espanha, na Itália e outros países da União Européia, sem falar nos Estados Unidos.

O Brasil, considerado historicamente como destino para imigrantes passou a ser exportador de "gente manufaturada" e não exclusivamente de commodities. Tamanha transformação representa um fato social e político que vem sendo progressivamente reconhecido e denunciado pela imprensa, pelas universidades e, acredito, até pelos nossos governantes; por estes, de forma muito lenta - infelizmente. É necessário que ocorram fatos chocantes como esse da Suíça, ou a morte de um eletricista em Londres, para que o problema seja ventilado, mas logo esquecido...

Algo deve estar sucedendo com os nossos jovens ou com o nosso país ou com ambos! Os jovens deixam o Brasil à procura de melhores oportunidades de trabalho. Os emigrantes brasileiros (na maioria), têm perfil de classe média: são jovens em início de carreira, principalmente os que ganhavam a vida, por aqui, como bancários, professores secundários, comerciários, etc.

Nos países de destino (quando conseguem entrar, legal ou ilegalmente), empregam-se em serviços de baixa qualificação, como lavadores de pratos, arrumadeiras, caixeiros, domésticos, limpadores, faxineiros. Levam vida miserável, moram precariamente, alimentam-se pessimamente e poucos são os que conseguem realmente melhorar de vida. Quem conhece a realidade da maioria desses jovens envergonha-se de como um país como o nosso aceita ver seus compatriotas sofrendo tamanha humilhação. Bastaria dizer que o Ministério do Trabalho e Emprego lançou a cartilha "Brasileiros no Exterior, Informações Úteis" para apoiar e alertar os trabalhadores brasileiros dos perigos que correm no exterior. Segundo pude me informar pela Internet, até o dia 19/07/2007 havia tempo para enviar sugestões para completar essa cartilha (ou manual) de sobrevivência para brasileiros: conferir no site (www.mte.gov.br/consultamigrante ). Como essa croniqueta foi escrita no dia 19/02/2009, pena que não possa dar o meu modesto pitaco e gritar "voltem para casa". Agora mais do que nunca, com a crise mundial. E concluo com mais uma pergunta: diante da conjuntura econômica atual, o Brasil poderá dar guarida a esses retornados? Não podemos nos esquecer de que todos somos brasileiros, independente de cor da pele, raça, religião ou ideologia.É primordial que lancemos um alerta geral quanto a esse problema!

O REI ESTÁ NU

CRÕNICA TRANSCRITA PARA OS ANAIS DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE PERNAMBUCO

O REI ESTÁ NU

O Brasil é o país do duplo pensar. Conhecemos a inquisição de 1500 até 1821. Então você tinha um comportamento na rua e um comportamento interior, na sua casa. Isso é que esstá na Sociedade hoje. Essas pessoas estão falando apenas para o público externo. É um país que o dúbio, sem mencionar as chagas da escravidão e a matança dos ameríndios. De resto, é necessário que a nossa histografia de origem portuguesa seja reescrita pelos brasileiros. [Crônica escrita durante os acontecimentos ocorridos entre a Sociedade Desorganizada e o Crime Organizado (P.P.P) Primeiro Comando da Capital iniciado 14 de maio de 2006 - Dia das Mães]

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A Roupa Nova do Rei é um conto de fadas de autoria do dinamarquês Hans Cristian Andersen, publicado em 1837. Começa assim:

Era uma vez um bandido, fazendo-se passar por um alfaiate de terras distantes. Diz a um determinado rei que poderia fazer uma roupa muito bonita e cara, mas que apenas as pessoas mais inteligentes e astutas poderiam vê-la.

O ri, muito vaidoso, gostou da proposta e pediu ao bandido que fizesse uma roupa dessas para ele. O bandido recebeu vários baús cheios de riquezas, rolos de linha de ouro, seda e outros materiais raros, exigidos por ele para a confecção das roupas. Ele guardou todos os tesouros e ficou em seu tear, fingindo tecer fios invisíveis, que todas as pessoas alegavam ver, para não parecerem estúpidas. Até que um dia, o rei se cansou de esperar, e ele e seus ministros quiseram ver o progresso do "alfaiate"

Quando o falso tecelão mostrou a mesa vazia, o rei exclamou: "Que lindas vestes! Você fez um trabalho magnífico!", muito embora, não visse nada além de uma mesa, pois, dizer que não nada via seria admitir que não tinha a capacidade necessária para ser o rei.

Os nobres ao redor soltaram falsos suspiros de admiração pelo trabalho do bandido, nenhum deles querendo que achassem que era incompetente ou incapaz. O bandido garantiu que as roupas logo estariam completas, e o rei resolveu marcar uma grande festa na capital para que ele exibisse as vestes especiais, quando descesse a rampa do seu palácio do Planalto.

O leitor deve lembrar-se dessa história, da sua própria infância, sobre dois espertalhões que enganavam o rei, dizendo que iam vesti-lo com um traje finíssimo?

No final, o rei sai todo pomposo desfilando pela rua, e todo mundo nota que ele está nu, mas ninguém tem coragem de falar. Enquanto o protagonista desfila pela Rampa, um menino grita: "O rei está nu", e todos concluem que, se uma criança, com toda sua pureza, constatava que o monarca estava mesmo exposto em suas vergonhas, é que tudo naquele reino não passava de uma farsa.

E o nosso mito majestático, desmoralizado, recolheu-se ao castelo e jamais saiu de lá até a morte. Quando ao "costureiro vigarista", deu o fora com o ouro pago e não se soube mais dele, pois foi viver em um paraíso fiscal.

E por pior: todos os ministros e assessores que não ousaram admitir que não havia roupa nenhuma caíram em desgraça e foram demitidos.

Até ai, nenhuma novidade. Mas, graças a louvável esforço de pesquisa, técnicos em Ciências Carochinhas decidiram dizer não às convenções e apresentar a versão não-autorizada desse embuste, desenvolvida segundo os conceitos vigentes na sociedade e ambiente de longínquo país latino-americano. Toda desgraça teve início quando um bandido chamado Frajola gritou pelo celular:

"O rei está nu! O rei está nu!" Esqueceu que, no Brasil, nós todos "estamos nus".

DO LIVRO MARRANISMO EDIÇOES BAGAÇO, RECIFE, 2005.

RESPOSTA DE UM JUDEU NORDESTINO

(MARRANISMO)

Meraldo Zisman

... De quando sou interpelado por algum amigo qual a minha posição do conflito entre Palestinos e Israelenses... (Continuação)

Pretendo, neste artigo-reposta referir brevemente sobre marranismo no Brasil. Não devemos esquecer que essa histórica toda - dessa estranha Gente da Nação - foi alevantada pelo historiador pernambucano José Antônio Gonçalves de Mello, um dos poucos intelectuais que inauguraram o conhecimento do fenômeno marrânico na moderna historiografia brasileira, desnudando o preconceito antijudaico e restabelecendo a importância da contribuição dos judeus-portugueses, enquanto muitos de seus contemporâneos estereotiparam o hebreu em suas obras clássicas, sobre a gênese do povo brasileiro, tentando esconder seus preconceitos através de teorias pseudocientíficas de superioridades raciais. Como se, no gênero humano, houvesse raças puras e raças impuras ou superiores e inferiores.

Definindo o significado e a etimologia do vocábulo marrano: Diz-se do judeu ou mouro que, embora professando abertamente o Cristianismo, para evitar perseguições da Inquisição, permanece fiel à sua religião de origem. Muito embora o verbete marrano esteja dicionarizado pejorativamente como sinônimo de porco, sujo, asqueroso, excomungado, maldito e até de gado-ruim, no Rio Grande do Sul, prefiro, por razões emotivo-sentimentais, tomá-lo como vocábulo originário do hebraico, mar (amargo) e anussim (forçado). Forçado a deixar amargamente a religião de seus ancestrais e que, agora, muitos de seus descendentes desejam tornar ao seio de Israel.

Por sinal determinados vocábulos brasileiros são exemplos de nosso sincretisano. Por exemplo:

"OXALÁ" é vocábulo de dupla acepção e origem:

Quando escrita com inicial "O" maiúsculo significa divindade afro-brasileira, toma o lugar de Oloru (o espírito supremo). Sua cor preferida é o branco. Seu dia de devoção é sexta-feira, e os animais sacrificados em sua homenagem são cabras e pombos brancos.

Na correspondência entre orixás e santos católicos, é identificado com Nosso Senhor do Bonfim, na Bahia, ou com o Padre Eterno, Jesus Cristo e, raras vezes, com o Divino Espírito Santo.

O outro significado de oxalá (com, ‘O', minúsculo) é uma interjeição de origem árabe (semita), cujo sentido significa queira Deus; prouver a Deus: exprime o desejo de que certa coisa suceda; tomara que sim!

Oxalá tudo saia como planejamos!

Essa diversidade de interpretação do português falado no Brasil é exemplo da amálgama de concepções heterogêneas que se sedimentaram na formação do brasileiro, não o brasileiro do Eça de Queirós: o português que fez fortuna no Brasil e voltou para Portugal abonado, porém permaneceu um mal-educado, é entre nós o tipo de caricatura mais francamente popular. Conferir em Farpas, fevereiro de 1872.

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Considerando que as nossas origens marrânicas jaziam soterradas pelos poderosos de plantão e outros motivos mais, não me cabe, no momento, aprofundar-me.

O rio marrânico de nossa formação, apesar de soterrado pelo antijudaísmo, não importa se por razões religiosas ou, mais tarde, raciais, como na ditadura do Estado Novo, permaneceu, apesar das discriminações, irrigando nossa formação, ajudando a aplainar as diferenças das nossas diferentes etnias, formadoras de nossa gente.

Não podendo mais, em pleno fim do século 20 e início do XXI, alguns dos nossos pesquisadores, solapar a verdade de o fato histórico ser contido, resolveram desbravar, com sua pesquisa moderna e menos arraigada ou limitada, pois, como diz o Talmude: A verdade como o azeite sobe a água que camufla os mentirosos ou bajuladores do Poder como lamparina para iluminar os nossos passos. Eis que explode, como a força da água represada, em numerosos trabalhos histórico-científicos. Oxalá continue emergindo, mais e mais, e queira Deus deixe os círculos acadêmicos, ganhe o mundo, ganhe as ruas, as esquinas e as praças, antes que algum brasilianista dos states dela se apodere.

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Marranismo à brasileira

Diferentes dos marranos que se fixaram em outras plagas "deste mundo vasto mundo", foram os portugueses, cristãos-novos - cristãos-velhos, os achadores do Brasil. A demografia de Portugal, na época dos descobrimentos, era constituída por um milhão de católicos e 200.000 judeus! Bastaria tal fato para explicar a importância numérica dos judeus na constituição de nossa gente e país.

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Aliás, muito antes das viagens dos Descobrimentos, o infante D. Henrique convocou o judeu Jehuda Cresças, então vivendo nas Ilhas Baleares, personagem também conhecido como Jácome de Majora, cognominado El judio de lãs Brújulas, para chefiar, fazer parte do corpo docente da Escola de Sagres, e foram tantos outros: astrônomos, navegadores, matemáticos, lingüísticos de origem semítica que traçaram e colaboraram com o Ciclo dos Descobrimentos, cuja culminância, para Portugal, foi a Descoberta do Brasil. Nomes tantos que seria enfadonho enumerar.

Esses novos católicos-marranos-portugueses aportaram a Terra da Santa Cruz como descobridores, pioneiros, colonizadores, governadores, para fundar uma Nova Nação em um Mundo Novo. Já na frota do Almirante Pedro Álvares Cabral, viajaram eles como conselheiros, especialistas e muitos marinheiros judeus ou cristãos-novos fizeram parte da esquadra do Almirante nascido em Belmonte, lugar conhecido internacionalmente pela prática do cripto-judaismo, até os dias de hoje.

Cito alguns integrantes da frota cabralina pela relevância:

Mestre João, astrônomo e que tinha, como missão, testar instrumentos náuticos criados por outro judeu, Abrahão Zacuto; Pedro Nunes navegador, Gaspar de Lemos ou Gaspar da Gama, capitão de navio, intérprete e considerado, por muitos historiadores, co-descobridor do Brasil.

Na verdade, em nenhum momento de nossa História ou mesmo na Pré-História da Descoberta do Brasil, os judeus, convertidos e os não-convertidos, deixaram de fazer parte do feito-mor lusitano: o achamento do Brasil. Posso asseverar que inexiste país onde a contribuição dos cristãos-novos, marranos, convertidos à força ou por vontade própria, foi tão evidente e perene como na formação brasileira. Nas levas dos denominados degredados e delinqüentes, o crime maior era o de judaizante (judaizar é observar e praticar a lei dos judeus).

Na Igreja, mesmo entre seus catequizadores, vieram muitos cristãos-novos em seus quadros, como é o caso emblemático do Padre Anchieta, descendente de judeus.

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Em Portugal, estavam ameaçados, por "todos os lados", pela Inquisição. Esses fugidos ou refutados e amedrontados, constituíram a espinha dorsal da nossa europeização e colonização, apesar do longo braço da Inquisição, de cujos rigores não escapou um dos maiores oradores sacros: o Padre Antonio Vieira.

Apesar de saber que qualquer forma de colonialismo é deletéria (não há bom colonizador nem neocolonizador honesto), Portugal legou-nos muitas coisas boas. Uma das mais belas línguas do mundo, a nossa dimensão continental: a maioria dos bandeirantes era de origem cristã-nova. O ouro branco do açúcar era tecnologia dominada pelos judeus-portugueses, a mineração e o ciclo do ouro em Minas Gerais, a floresta amazônica, o que encetou a vinda de milhares de judeus de Marrocos e de outros lugares da África do Norte, para tomar parte no ciclo da borracha, criando uma neodescendência de judeu mameluco, que ainda não foi suficientemente explorada como outras escondidas riquezas da floresta, o pau-brasil, do qual Fernando de Noronha, essa misteriosa figura de donatário, empreendeu o início do desmatamento nacional com o mercado do pau-brasil. Sem dúvida, era um cristão-novo!

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A continuidade territorial

Quanto aos mistérios dos costumes desses sertões brasileiros, tão grandes e tão assemelhados, podem-se explicar pela mobilidade dos cristãos-novos no Brasil Colônia.

Apesar de encontrarmos famílias européias portuguesas, radicadas durante gerações nas mesmas regiões, de um modo geral, a população branca era de descendência cristã-nova e, apresentava uma grande instabilidade. A vigilância constante a que estavam expostas por parte dos agentes inquisitoriais, muitas vezes, impedia a sua radicação.

Sem esquecer que foram também os interesses econômicos dos judeus-portugueses que os levavam a residir temporariamente em vários lugares e mantinham uma união secreta entre familiares, cristãos-velhos, livres-pensadores, formando um continuum de casualidades de crenças, liberdade impossível de ser pensada ou praticada na velha Sefarad (palavra hebraica que designa a Península Ibérica). A Inconfidência Mineira leva muitas características desses tipos de associações. Os poetas, ah! os poetas, sempre chegam primeiro que os cientistas! Minha Pátria é Minha Língua (Fernando Pessoa).

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Os marranos de Portugal fugiram para o Brasil, principalmente.

Aqui, deitaram suas raízes, não para enriquecer ou, como dizia a maioria dos imigrantes europeus: fazer América, chegaram para ficar.

Assim como os negros escravos não desejam tornar à África, nem o japonês ao Japão, fizeram deste país tropical a sua pátria. Misterioso encanto... a Terra brasilis! Não vamos esquecer, por favor, os índios - verdadeiros proprietários (e o que deles restou). Devem ser respeitados os poucos remanescentes, nas suas riquezas culturais e ecológicas. Lamentavelmente, somente agora, em 2006, temos o primeiro índio doutor!

Voltando ao marranismo à brasileira, foram os cristãos-novos ou marranos que desbravaram as selvas, cultivaram a terra, apresaram índios, guerrearam os jesuítas, foram homens totalmente diferentes dos judeus de origem ashkenaze: judeus de fala iídiche, oriundos dos países da Europa Central e Oriental ou dos sefardins, descendentes dos primeiros israelitas de Portugal e da Espanha, expulsos, respectivamente, em 1496 e 1492, que se dispersaram pela Itália, Holanda, França, norte da África, Levante e outros lugares do Mundo.

Falar dos cristãos-novos, generalizando sua atuação e sua mentalidade, tem levado a uma concepção errônea do que foi o fenômeno marrano brasileiro. Antes precisamos de ungüentos para cicatrizar a chaga da escravidão, a vergonha da Inquisição e renovar o que nos ensinou o Genocídio dos povos indígenas. Para isso, conclamo a nossa elite intelectual..., principalmente a nordestina, a trabalhar para resgate do nosso passado.

Pensar que, em plena crise da Violência e do Crime Organizado, o governador do Estado de São Paulo (2006), Cláudio Lembo, diga:

O Brasil é o país do duplo pensar. Conhecemos a Inquisição de 1500 até 1821. Então você tinha um comportamento na rua e um comportamento interior, na sua casa. Isso é o que está na Sociedade hoje. Essas pessoas estão falando apenas para o público externo. É um país que é dúbio, sem mencionar as chagas da escravidão e a matança dos índios.

Em momento algum, aceito tal declaração pondo em perigo nossa frágil Democracia. Aceito, com restrições, tal desabafo como aviso aos nossos historiadores. Urge que nossos antropólogos, sociólogos e geógrafos façam, e divulguem ao povo um melhor conhecimento de nossa historiografia: da miscigenação e igualdade entre as diversas etnias formadoras de nossa gente.

O Professor. Avi Gross, especialista em Judaísmo Português e Espanhol e Marranos do Departamento de História Judaica, na Universidade Ben-Gurion em Beer-Sheva, no deserto de Neguev, afirma ser a concentração de convertidos à força mais numerosa nos estados do Nordeste brasileiro, principalmente Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba.

Em época tão tumultuada, é sumamente pertinente propagar a Nostra Aetate: Sobre a Igreja e as Religiões Não-Cristãs (Declaração do Concílio Vaticano II - ano de 1965):

Hoje, que o gênero humano se torna cada vez mais unido, e aumentam as relações entre os vários povos, a Igreja considera mais atentamente qual a sua relação com as religiões não-cristãs. E, na sua função de fomentar a união e a caridade entre os homens e até entre os povos, considera primeiramente tudo aquilo que os homens têm de comum e os leva à convivência.

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Acredito que, quando um povo está buscando se conhecer e não se envergonhar da suas raízes, passa a ser exemplo de concórdia para o mundo. Mundo esfacelado pelas guerras, pelos terrorismos de todos os naipes e os homens-bomba: terão suas chamas autocriminosas extintas pelo exemplo do novo homem brasileiro.

Daí lembro, aos meus patrícios, que a contribuição que une a nossa nação à saga do povo judeu é muito importante para entendermos a gênese do povo brasileiro. Porém, muitas vezes, fico pensando nessa herança maldita da Inquisição e em certos comportamentos do nosso homem interiorano, maioria das vezes, um valente, silencioso e reservado. Impossível saber o que pensa. Do não-parecer. Da economia. Do não-ostentar. Das festas e da religiosidade expostas, essas, sim, bastante às vistas. Dos postigos sempre cerrados e protegidos dos olhos dos curiosos. Falar o menos possível, medir o que se diz. Ao prestar um serviço, dizer com insistência:

- Desculpe qualquer coisa! - Como se desejasse pedir desculpas por algo que nunca fez. Evitar qualquer deslize é seu cuidado maior. Algo que poderia ser mal interpretado e, depois, servir da acusação no tribunal do Santo Ofício. Ninguém pode confiar em ninguém. Acusações podem surgir do nada. Não faltar à missa aos domingos, não perder uma procissão, andar na frente, comungar e acatar a palavra do pároco. Foram 300 anos da Inquisição, quinze gerações, e isso fica gravado no inconsciente coletivo de um povo. É a herança cultural da Inquisição.

Lembro a todos que a palavra religião vem do latim religare, que é a forma de uma pessoa se ligar a outra. Assim é como vejo o Marranismo Brasileiro, uma maneira de união para a criação do novo homem do século XXI. Certamente, esta seja uma das missões que cabe ao intelectual brasileiro: divulgar!


RETIRADO DO LIVRO -- PEQUENOS ESCRITOS DE UM MÉDICO
EDITORA LIVRO RAPIDO www.livrorapido.com.br

SÓCRATES

A vida me ensinou a nunca desistir
Nem ganhar, nem perder, mas procurar evoluir.
Podem me tirar tudo que tenho
Só não podem me tirar às coisas boas que eu já fiz
para as pessoas que eu amo
.



Pelo título, não pense que estou me referindo ao filósofo grego e, muito menos, ao craque futebolístico, mas, sim, ao meu cachorro da raça Labrador, ao qual batizei de Sócrates. Comprei-o em um canil, lá pelas bandas de Aldeia, arrabalde da Região Metropolitana do Recife, especialista em criação dessa raça e recomendado pelo meu confrade médico veterinário e engenheiro agrônomo Paulo Ponce de Leon Filho, que é o seu padrinho.

Originário, o meu Sócrates, de uma ninhada de cinco filhotes. Três deles, antes de nascer, foram adquiridos pela polícia de Brasília. Sobraram dois: um preto e o outro cor de chocolate. Pensei: Qual dos dois eu levo, o preto ou o chocolate? Indeciso fiquei! Enquanto pensava e me decidia qual dos dois filhotes levava, uma criança se aproximou e exclamou: - Papai, quero o chocolate!

O filhote preto saiu andando, e sua barriga era muito sem jeito. Andava como se fosse com a carroceria troncha de um caminhão (de bandinha). Balançava de um lado para o outro, o seu andar era diferente. Tinha jinga de sambista. Corri atrás dele. Por mais que corresse, ele se afastava. Parava e olhava para trás, me desafiando. Olhava para mim, virava o focinho para frente e continuava a sua marcha... Alcancei-o, finalmente, enquanto seu olhar maroto dizia tudo que seria a personalidade do meu novo companheiro. Aninhou-se nos meus braços e estava selado o pacto da nossa amizade. A escolha passou de eliminação para a afeição, que permanece entre nós, até hoje. Naquele instante, senti os verdadeiros valores da vida. Aos 70 anos, tinha meu cão. Meu sonho de criança foi realizado.

Sócrates me ensinou muita coisa. Pensava que cachorro era parecido com os homens. Ledo engano! Para começar, o cão não sabe mentir nem fingir: O rabo o denuncia. O cão, como chamam os criadores de raça pura, é incapaz de dissimular seus sentimentos. O rabo o acusa. O faro o faz ter certeza de suas escolhas e também denuncia os seus anseios. Não perde tempo para pensar. Ser cachorro é ser existencialista. Tudo é atual, momentâneo, impulsivo, A vida para ele é o que acontece; as suas investidas são em direção das vontades vindas das entranhas. Eclodem; num gesto repentino, inesperado, acerta uma lambida em meu rosto ou apanha um chinelo ou meias para escondê-las nos locais mais esdrúxulos. Quer sempre brincar, sabe quando estou mais triste ou menos triste. Respeita a minha dor e reconhece quando o dono está chateado. Fiquei com Sócrates, o preto, e não me arrependo. Confio no sentimento. Acredito em amor à primeira vista . As escolhas, grandes escolhas que fazemos na vida, são inexplicáveis.

Deixando de lado a filosofia, voltemos aos primeiros momentos do nosso encontro. Enquanto o segurava nos meus braços desajeitados, sentado no lugar do carona, minha mulher dirigia o carro. O velho, que abria e fechava a porteira do canil, disse:

- O senhor será muito feliz com ele. - E sou! Enquanto segurava o futuro amigo fiquei pensando qual o nome que daria àquele cãozinho.

- Sócrates foi como o batizei. Como seu xará filósofo, não escreve e terá a vantagem de ser um Sócrates sem um Platão para tomar nota de seus ensinamentos. Tem igualmente a vantagem de ser bonito e alegre. Vivi em nosso pequeno apartamento onde resido, apesar dos avisos dos entendidos que apartamento não é para cachorro daquele porte. Quando passeia, os transeuntes, apesar de atemorizados pelo seu tamanho, chamam a atenção para a sua beleza. Gosta muito de perambular pelas ruas, e as crianças adoram-no. Começou por destruir o modesto mobiliário da minha morada e, o pior, a exigir de mim e da empregada dedicação constante.

Quando posso, levo-o para a casa da praia, solto-o no grande terreno: corre muito, brinca, toma banho de mar, faz muita festa, fica alegre: Livre. Solto. Correndo. Sem coleiras ou enforcadores. Penso em o deixar lá. Logo. Acabado a novidade, volta para mim com um palmo de língua de fora, como se dissesse:

- Prefiro brincar com você. - E fica deitado bem junto aos meus pés. Sem mim, fica muito triste, apesar da liberdade, da areia, do gramado, dos pássaros, das aves e do mar de onde veio quando volto para o apartamento, que julgo ser para ele uma prisão. O pequeno apartamento fica menor sem Sócrates. Apeguei-me a esse animal como a ninguém na minha longa jornada. Conheço-o como a um filho querido. Recordo-me do tempo em que vivi sem Sócrates. Passei de não ser mais um velho solitário. Quando chego a casa, meu cão me faz festa. Sócrates foi crescendo. Quando completou dois anos de idade era impossível alguém me visitar. Lambia, ladrava, fazia uma festa para conhecidos e desconhecidos. Basta dizer que, na praia de Maria Farinha, é conhecido como Meninão, e os praieiros pensavam que o seu nome era em homenagem ao atleta. O único Sócrates "gente" que conheciam.

É um ser cordial e muito cuidadoso com seus afetos. Nas minhas angústias, penso sempre nele. Tem me recompensado as agruras da vida que passei e ainda vou passar. Com Sócrates, aprendi a lição: "Cada novo amigo que ganhamos na estrada da vida nos enriquece pelo que nos revela de nós mesmos". Nenhum homem conseguiu falar o que ele late, e eu não compreendo o seu falar:

Ser cachorro é pronunciar palavras de afetos que não fingem, escapando-se apenas em redemoinhos de latidos que melhor e mais dizem que a voz humana. É um au-au de amor, de aviso, de cuidado e de amizade. Muda o tom, quando algo está errado. Não sabe mentir. Quando ficava com o caseiro, sentia muita falta dele, e ele de mim (imagino eu). Deve ser verdade, pois deixava de comer. Não podemos viver um sem o outro. Tenho para mim que, em nossa amizade, existe uma dificuldade, meu cachorro vive 15 a 18 anos, terei que viver mais tempo para não deixar Sócrates por aí. Sabe qual a idade do meu cachorro? Dois anos! Tenho que viver mais do que calculava. Vou tentar. Não se deixa um amigo desses desamparado e muito menos solitário. Pobre de espírito é quem cunhou a frase: - Depois dos quarenta anos, não se faz mais amizades. Eu fiz.

A sabedoria de Sócrates vai me ajudar e ensinar. Sócrates é o cachorro por inteiro, global, completo feito uma única peça. Monobloco. E assim grudei-me ao cão. Meu cachorro! Como havia dito o velho que abria e fechava o portão do canil: - O senhor será muito feliz com ele. E sou!

Mas apesar dos maus olhos dos vizinhos, dos medos que o labrador preto causava ao descer o elevador do prédio, as coisas foram engrossando.

- Ele morde?

- Não, não morde - respondo.

Quando não convencidos, os elementos da classe social, meus companheiros daquele prédio-caixão, maioria da classe social média-baixa, passaram a ter medo de meu amigo. Eu somente tinha como argumento a pergunta:
- A senhora não vê a novela da Globo?

- A! sim! - respondia-me o atemorizado vizinho. Este cachorro é que é guia de cego.
E algum outro, ironicamente, disparava: - Ele, por acaso, tem dentes de borracha?

O pobre do Sócrates ficava sem entender nada daquela conversa da gente e queria brincar com suas enormes patas com o atemorizado personagem. Na rua, era a mesma coisa. Pensei em colocar uma plaqueta em seu pescoço, o que causava muito temor, quando ele comigo dava um passeio: Este cão é um labrador.

Ficava triste quando alguns transeuntes indagavam. E eu respondia, após a explicação de novela global.

- Da mesma raça do da novela da Globo. Serve também para a companhia de idosos. Não morde! Gosta de criança! Não ataca ninguém! Não me deixe sem ele, por favor, é minha melhor companhia e meu melhor amigo!

Mas, Sócrates começava a amedrontar os senhores e senhoras de Atenas, apesar dos meus esclarecimentos. O pior era o número de empregadas que entravam e saíam da minha casa. Nenhuma suportava descer três ou quatro vezes por dia com o cachorro. Eu cismava com todas. Será que estão maltratando Sócrates na minha ausência? Pensei em "dar-lhe fim". Ninguém queria aquele belo animal. A civilização do apartamento não compreendia nada. Tentei a Polícia: cão farejador, detector de drogas. Ouvi dizer que eles viciam os animais e, depois de um certo tempo, os matam. Descartado fazer o meu filósofo sentar praça. Não poderia imaginar, meu Sócrates, criado como meu filho, tendo tal fim. Descobri um site da Internet que adota cachorro. Anunciei. Depois de esperar muito, veio a proposta de uma possível adoção por um senhor do Rio Grande do Sul. Não gostei! Era muito longe! Nunca mais veria Sócrates.

Não sei o que vou fazer. Somente me resta tomar cicuta, nós dois, como seu xará. Porém, o cachorro Sócrates não está ensinado a desviar a nossa juventude. Não é casado com a Xantipa, e o dinheiro da feira, e muito menos é filho de uma parteira. Quem compra a sua ração sou eu, e ele somente acorda à noite quando o seu faro sente odor de estranhos. Em Filosofia, Sócrates tinha que ensinar aos seus discípulos o conhece a ti mesmo, enquanto o meu amigo já nasceu conhecendo pelo faro. Não, meu amigo, vou agüentar vivo, pena é: você deverá viver mais do que eu. Que pena de deixá-lo sozinho! Espero que não! Com ele, passei a conhecer melhor a mim mesmo.

A DOENÇA DA VIOLÊNCIA

A DOENÇA DA VIOLÊNCIA

Meraldo Zisman

Quando o clima de insegurança atinge a sociedade como um todo, a violência transforma-se numa reação corriqueira। Estudos demonstram que gestação que evolui em clima de medo, agressão, desamparo - influi na personalidade do indivíduo. O fortalecimento dos vínculos familiares é a única prevenção da

Doença da Violência.

É muito importante destacar que o desenvolvimento educacional deverá estimular os sentimentos de compaixão, compreensão e solidariedade; maneira essencial de criar uma cultura da não-violência. Uma das principais linhas de trabalho consiste em estabelecer "circuitos interativos" visando ampliar o campo da reflexão e de alternativas e de condutas cordiais entre as pessoas. Digo, sem sombra de duvidas que a cultura do "não violência" tem início dentro da família. Seguem-se alguns exemplos práticos de comportamentos.

  • Quando você arranca o brinquedo da mão do seu irmão, ele fica assustado e chora e eu fico muito zangada com você; aí a gente briga e você fica triste, achando que eu gosto mais dele do que de você. Não seria melhor conversar com seu filho ou filha sobre o assunto?
  • Sei que você está chateado(a) porque não vou poder sair com você, agora. Acontece que cheguei em casa muito cansada. Mas, em vez de ficar triste, poderíamos combinar outra coisa?
  • Fico danado da vida quando encontro sua toalha molhada em cima da cama. Coloque-a no banheiro, por favor, em vez de dizer: - Só um a idiota é capaz de deixar uma toalha molhada em cima da cama!
  • Pô, pai, você é careta demais mesmo, não dá pra entender por que eu quero ir a essa festa? Tente negociar uma solução mais satisfatória do tipo "Vamos tentar chegar a um acordo sobre o horário de sair da festa".

Senhores pais, em vez de se preocuparem com ganhar ou perder a discussão, preocupem-se em encontrar uma solução. Resolver o problema sem atacar a pessoa é promover a Educação para a Paz.

Muitos pais batem nos filhos - não só porque não conseguem colocar limites de modo firme, sereno e consistente, mas, sobretudo, porque acham que este é um meio legítimo de impor disciplina. No entanto, quando perguntados se acham que os professores ou a babá poderiam dispor desse recurso para serem obedecidos, ficam indignados e respondem: Claro que não! Portanto, se os pais acham que educadores e empregadas domésticas precisam usar métodos não- violentos para colocar limites e estimular o cumprimento das tarefas, por que eles próprios não conseguem fazer o mesmo?

Diversos métodos não-violentos de disciplina devem ser pensados, tais como colocar a criança "para pensar", privá-la temporariamente de coisas de que ela gosta ou restringir atividades tais como brincar com amigos ou ver TV ou entrar na Internet. O mais importante é saber que ninguém nasce violento. É preciso construir a mentalidade de que a violência é inaceitável, por parte de todos. A violência é um comportamento "aprendido" no processo socialização.

As linhas de ação para a prevenção e o tratamento da violência começam em casa. Devemos nos lembrar de que o ciclo da violência tende a passar de uma geração a outra: números expressivos dos adultos e adolescentes violentos, foram crianças vitimas de abusos de outros adultos quando crianças...

RETIRADO DO LIVRO -- PEQUENOS ESCRITOS DE UM MÉDICO
EDITORA LIVRO RAPIDO- Recife, 2007- www.livrorapido.com.br

domingo, 1 de março de 2009

ABALOS VOCACIONAIS
Não esquecer que ninguém chega ao fim da vida sem ter visto indeferido mais da metade de seus sonhos.

Meraldo Zisman

A Saúde passou a ser um bem de consumo. Esquecem que a Medicina não pode seguir essa tendência: a contabilidade do trabalho médico não poderá ser auferida unicamente pelo ganho monetário. Não foi isso o que me ensinaram na Faculdade. Porém, assisto, ao longo de meus 45 anos de vida profissional, a esse abalo vocacional dos praticantes do exercício da Medicina, pela maioria dos profissionais de Saúde (salvo as exceções de praxe).

Com o encolhimento do Governo no Setor da Saúde, assisto ao crescimento de hospitais luxuosos para atender a uma minoria que pode pagar um plano de Saúde de preço estratosférico. O resultado foi o sucateamento da Medicina Estatal, da Previdência Social e das ações do Ministério da Saúde. Importaram-se modelos completamente estranhos à nossa tradição médica.

Explicações do tipo: aumento dos gastos, tecnologias novas e caras, aumento da média de vida do brasileiro comum, não me parecem elucidação convincente para o caos na Saúde. Importaram-se gerenciamento e tecnologia de países de formação histórica bem diversa da nossa. Novos hospitais particulares são como ostentação de riquezas que se parecem mais com bancos ou hotéis de cinco estrelas, ao lado das filas vergonhosas dos pobres a mendigar atendimento médico. Com a valorização da tecnologia, os médicos passaram a ser meros manipuladores de máquinas. Outro fato a que assisto surpreso é o investimento de aparelhagens médicas, mais para shoppings ou bancos ou cassinos.

Vejo os jovens médicos maltratados, mal pagos, insatisfeitos e desumanizados ou, então, ganhando rios de dinheiro, quando dominam alguma dessas tecnologias de ponta ou têm capacidade empresarial. Nem, nos países mais ricos, assisto a tantos gastos com exames complementares, e tanta maldade de conservar, em manter em UTI, pacientes irrecuperáveis e que ficariam mais bem assistidos na companhia dos familiares.

O que importa para esses empresários é o aumento do faturamento, e não o bem-estar da pessoa. O resultado é o desbaratamento dos jovens médicos (e médicas) e dos pacientes sofredores. Não sou contra o sistema ou a capacidade empresarial para o lucro, mas se tratando de vidas humanas - é diferente. As Leis de Mercado na Saúde não têm vez. Isso é uma vergonha!

ABALOS VOCACIONAIS II

Capítulo I

Dos presentes não se fala

Falar a verdade sempre foi muito perigoso. Mas vamos aos fatos. Denomino de pesquisinha uma série de trabalhos que pululam em revistas médicas, geralmente patrocinadas por laboratórios farmacêuticos, sem corpo editorial de valor, sem serem indexadas e servem para inchar currículo de professores numa propagação de also-paper, indiscutível. Na maioria das vezes, vão direto para a lata do lixo dos consultórios dos esculápios. Refletem-se, seus conteúdos em nossas Jornadas e Congressos, engessados nuns mesmíssimos de pessoas e de assuntos acompanhados do conchavo:

Capitulo II

- Me convida, que te convido.

E tomem congressos, palestras, reuniões e jantares em suntuosos hotéis de cinco estrelas, centros de convenções, acompanhados de distribuição de pastas, canetinhas, bloquinhos, calculadoras e até computadores! Brindes? Dos mais extravagantes. Soube de um congresso que sorteou uma lancha entre os participantes, e outro, um cavalo Manga Larga Marchador, esse obviamente realizado em Minas Gerais. Quando olho os auditórios cheios de moças e rapazes, jovens médicos com vontade de aprender, tenho pena. Parecem mais bandos de sacoleiros e sacoleiras vindos do Paraguai.

Os apresentadores (quase sempre os mesmos) fazem uns sumários de atualizações didáticas, facilitadas agora pela Internet, ajuntados (quando muito) a uma esquálida casuística pessoal ou compilada dos centros mais adiantados, de preferência, da multinacional fabricante da nova medicação.

Saber comunicar, ser um bom apresentador, simpático à audiência, passa a ser uma figura de renome. Será que não erraram de profissão? Melhor fossem âncoras dos programas televisivos!

Capítulo II

Caricatos

Um biólogo estudava o aprendizado e o comportamento das formigas. Ele pega uma formiguinha, diz:

Formiguinha, anda - e a formiga anda.

Arranca uma das patas da formiga e repete:

Formiguinha anda e, mesmo capenga, a formiguinha anda.

Vai então arrancando as patas do inseto uma a uma, até que, quando arranca as seis patas da formiga, repete:

Formiguinha anda; e a formiga não se move.

Conclusão: formigas sem pernas são surdas.

Também tenho outra, antes de as nossas carroças possuírem injeção eletrônica. Um mecânico pesquisador levanta a tampa do motor e desliga os cabos das velas. O motor pára.

Conclui:

-O que faz o carro andar são os cabos das velas.

Capítulo III

A ex-comunhão

Cenário:

Reunião da Sociedade de Pediatria. Local: Rio de Janeiro. Comitê Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno.

Descoberta: leite materno é o ideal para as crianças, e leite de vaca é o mais adequado para a alimentação dos bezerros. Pesquisinha boa, pois muito menino deixou de morrer de diarréia. Pois bem, a douta comissão era formada por duas senhoras vitalinas (moças, idosas, solteironas) e dois senhores homossexuais declarados (não havendo SIDA, naqueles tempos, ainda estão vivos, e eu respeito a opção sexual d cada um. Para mim, isso não conta, pelo contrário, respeito a coragem de quem assume o que é, o direito das minorias, para mim, é sagrado. Declarou-se uma verdadeira guerra às mães que não amamentassem. E assim o leite materno passou a ser dogma.

Uma cliente minha, por não ter leite, tinha se suicidado. Eu dei meu pitaco naquela reunião: que devemos ser mais precavidos em generalizar as coisas. Existem mulheres que não têm secreção láctea, existem contra-indicações formais à amamentação por serem psicóticas etc. e, que, em Ciência, inexistem verdades imutáveis.

Muitas vezes, a mulher não amamenta por problemas psicossomáticos, o pai fica enciumado, a mãe tem que trabalhar, câncer de mama, mastectomias, etc. etc, e poderemos em certos casos, com esse dogmatismo, causar mais mal do que bem.

Os quatro doutos membros da Comissão caíram em cima de mim como abutres. Fui esmagado, triturado e acusado de estar vendido a uma multinacional que fabricava leite em pó e que, por sinal, era uma das patrocinadoras daquela reunião de programa do incentivo ao aleitamento materno.

Era jovem. Inexperiente. Cheio de testosterona. E, quando ouvi essa torpe acusação à minha pessoa, disparei:

Como podem, quatro solteirões que nunca vão ter filhos(opção própria), opinar sobre problemas de maternagem e paternagem?

Capítulo IV

Final

Nunca mais fui convidado para nada. Fui excomungado. Que pena! Na verdade, quem é que não gosta de mordomia? Cada um é o que é! Somente me resta o consolo da consciência tranqüila, filosofo eu, aqui do meu retiro.

RETIRADO DO DO LIVRO PEQUENOS ESCRITOS DE UM MÉDICO
EDITORA LIVRO RAPIDO- Recife, 2007-PEÇA PELO SITE www.livrorapido.com.br

... FUI SER MÉDICO... HUMANISTA

Meraldo Zisman

Depois de longo tempo ouvindo, vendo e tratando crianças, dei por fé que, sem o envolvimento familiar, não se poderá praticar uma boa Pediatria. São os avôs, os tios, os padrinhos, os compadres e as comadres, os vizinhos e os aparentados que escolhem o pediatra para a criança. São os maiores palpiteiros do bem das nossas condutas e ações profissionais.

Ao examinar uma criança, você está sendo julgado e ajudado pelos seus atos. Muitos pediatras acham que os palpites são uma invasão - a sua sapiência, não, não são: apenas uma tentativa de uma mãe ajudar o pediatra a curar seu filho ou filha.

Para não abandonar ou ficar guardando na minha cabeça o muito que aprendi, prolonguei meus tempos de atividades, procurando permanecer junto aos meus ex-pequenos pacientes por mais tempo. Ao ficar por mais algum tempo ao lado deles e de seus familiares, passei a ser psicoterapeuta de jovem.

Atente que essa atitude não foi inteiramente, como tudo na vida, de moto próprio e, sim, quando dei por mim, estava virando conselheiro, amigo, confidente e fazendo psicoterapia "selvagem" dos meus antigos clientes e seus familiares. Resolvi, então, fazer cursos, aperfeiçoar-me e, como costumo repetir o aforismo "Criança Pai do Homem", não foi difícil para mim realizar esses intentos.

Outro fato que me tirou da ociosidade foi à vontade de escrever. Logo após ter realizado o concurso para titular de Clínica Pediátrica Médica para a Universidade de Pernambuco, fui conduzido à Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES/PE), através das mãos amigas, seguras e bondosas do professor Veloso Costa, onde aportei e fui muito bem acolhido; sem haver nada publicado, levando apenas o gosto pela Literatura. Em época de vida em que novas amizades são quase impossíveis de acontecer, encontrei, na SOBRAMES/PE, novos afetos. Amigos, na idade em que os amigos escasseiam e/ou ficamos mais seletivos ou impertinentes. Fatos os quais tornarei no capítulo intitulado Epílogo.

Fui também muito ligado ao psicanalista José de Almeida Lins, que trouxe a Psicanálise para a Região Nordeste e ao psiquiatra e psicossomatista Samuel Hulak, a quem devo os ensinamentos de como me tornar um psicoterapeuta e psicomatista de jovens. Considero-o um irmão. A experiência e a escola do tempo e as sábias orientações desse companheiro ajudaram-me a largar de ser um médico organicista, prepotente e curei-me do academicismo e das buscas de titulações e penachos universitários, para me tornar, cada vez mais, um profissional de Saúde Para ajudar o paciente, apenas isso... Repito, devo muito do que sou agora a esse mestre da Psicossomática Nacional. O seu entusiasmo pel movimento psicossomático foi, e é, mais que um estimulo a divulgação e humanização dos profissionais de Saúde do Brasil.

Eu conto mais: Quanto mais a tecnologia médica cresce, mais as regras do mercado vão desumanizando a profissão. Quando, na verdade, seria necessário o ensino de noções psicossomáticas ou mesmo a criação de uma Disciplina de Psicossomática que transpassasse todo currículo da formação médica e dos demais profissionais da Saúde.

Como ensina Samuel Hulak, fazer humanização da Medicina é redundância: Ela já nasce humanizada. O que é necessário é humanizar o médico.

Cada doente é um novo desafio. Assim como, para o escritor, é uma página em branco. Ambas são jornadas misteriosas.

Valho-me do dito latino pela pertinência Scribitur ad narrandum non profandum (Escrever para narrar, não para provar).

Para isso, nada melhor que a ajuda pela Literatura.

LUTAR SEMPRE

Meraldo Zisman

Só ao envelhecer temos condições de nos perguntar sobre o que fizemos toda a vida.

Estou apreensivo com o aumento da violência no mundo. Para quem passou trabalhando em plantões de hospitais, ambulatórios, consultórios, dormindo e vivendo em alojamentos hospitalares, procurando minorar o sofrimento do próximo, esta constatação é muito trágica. Nos bancos escolares da infância, criei-me dentro de uma mistura do português falado no Brasil e o iídiche (uma espécie de alemão falado pelos judeus da Europa Central e Oriental) de meu pai prestamista - fugido da Bessarábia, lugar este tão improvável que, a esta altura, deve ter mudado de nome. Minha mãe nasceu no Rio Grande do Sul (terceira geração no Brasil), ambos judeus de origem eslava.

Para falar a verdade, não sei o motivo destes meus gostos de ajudar às pessoas sofredoras e deste meu vício pela leitura. Não gostei muito de esportes, e até hoje considero-os uma sublimação do espírito guerreiro.

Aprendi a me interessar pela política nacional e internacional com meu pai e seus amigos prestamistas (mascates israelitas), nos bancos da Praça Maciel Pinheiro, vulgarmente denominada Praça dos Judeus. Naquele tempo, era o lugar mais freqüentado por essa gente de Nação. Apesar de ser desajeitado em fazer amizade, certamente devido à minha timidez nata, terminei sendo taxado de orgulhoso. Confesso, às vezes, mesmo depois de velho, tenho vontade de colocar uma prancheta, pendurada no pescoço, com os dizeres: Não sou chato, sou tímido e acanhado.

Terminei muito sozinho de "amizades", porém Deus foi bondoso comigo e proporcionou-me minha mulher Maria das Graças e meu cachorro Sócrates e meus filhos Andréa e Márcio. Poucas foram as pessoas que me entenderam em um mundo cada vez mais interessado pelo dinheiro e pelo egoísmo. Continuo a ser o que sou. Muitos me consideram um besta, um petulante ou um introvertido.

Certa vez, em reunião da Congregação ou Conselho Departamental, um colega psiquiatra me disse no embate de uma grande e estéril discussão acadêmica:

- Você não conta, Meraldo, não faz mal a ninguém!

Não me impunha. E meu pai me dizia:

"Ou você é muito bom ou não tem personalidade". Continuo não sabendo guardar, por mais de meia hora, raivas ou mágoas de alguém. Estavam certos, mas eu não era do feitio de eternizar brigas ou desavenças.Pensava:

- Nós não somos eternos para que eternizar inimizades?

Outro besteirol que ainda passa pela minha cabeça é o de acreditar na lenda que, por meio da cultura, do saber e, da ciência será possível melhorar a humanidade. E, o mais grave, é, apesar da minha história de mais fracassos que vitórias, permaneço um esperançado no gênero humano.

Durante todos esses anos dedicados à Medicina, permaneci fiel às minhas leituras e muito mais à minha consciência. Para mim, o computador me facilitou a escrever, porém pretendo usá-lo apenas como editor de texto ou facilitador de alguma consulta na Internet. Apesar de achar uma maravilha a facilidade da comunicação, continuo acreditando no valor das antiquadas cartas. Acho que foi Victor Hugo (1802-1885) que cunhou a expressão "um homem civilizado escreve cartas".

Sempre fui muito trabalhador, interessado em tudo o que acontece em minha casa e em todo o mundo. Não desejo tomar o lugar da juventude e suas peripécias. Desde que o mundo é mundo as gerações se sucedem... E o pior é ser considerado um velho transviado.

Não ando por aí fazendo alarde nem de minhas dores nem de meus pesadelos e muito menos das minhas frustrações. Escrevi sobre minha vida pessoal nos livro Jacob da Balalaica (sobre meus pais), Dois Dedos de Prosa e Eu Digo, este ultimo denuncio as querelas paroquianas das nossas Universidades.

Escrevi também Nordeste Pigmeu e um outro livro sobre Violência, a Metamorfose do Medo, que foram mencionados parcamente no Brasil. Jamais em Pernambuco! Apesar da pouca repercussão de meus trabalhos, fui recentemente convidado para passar seis meses, na qualidade de cientista visitante, na Clínica Tavistock, de Londres, o mais tradicional centro psicoterápico, em Londres, trocando experiências no setor de Violência Urbana, envolvendo principalmente os adolescentes e os jovens.

Comecei minha vida universitária pesquisando e denunciando a fome ancestral da maioria da população infanto-juvenil brasileira. Como não foi de estranhar, atraí as críticas dos ortodoxos e também dos heterodoxos que não conseguem sair das suas desnutridas pesquisas. Atualmente esses fatos já não me incomodam tanto, pois sei que dentro das minhas bisonhas condições fiz o que pude para evitar o morticínio de jovens na faixa etária dos 14 aos 25 anos.

A vida se encarregou de mostrar-me o País, que não era uma vida tão "protegida" para os judeus que fugiram dos pogroms das suas terras natais e passaram a ser "galegos da prestação" no Recife. Banqueiros poderiam ser, porém penetrar no santuário do poder, nunca.! Não mereciam confiança. Tenho a esperança de que o Brasil venha a ser um país de todas as raças, de todas as culturas que possam se comunicar, entre elas. E descobri que a violência nas relações humanas juntamente com a fome são as nossas maiores pragas - fatos que depois se tornariam o tema principal de minha contribuição como profissional de saúde.

*****

O que mais me marcou na minha infância foi quando deixei o Colégio Israelita e fui estudar no Colégio Osvaldo Cruz, no Recife. Pela primeira vez, pressenti, ao sair do meu gueto social, o preconceito anti-semítico. Ler foi à salvação e a parte principal e a parte didática de apreender compreender o Mundo.

Dois fatos marcaram por demais minha vida pós-graduação: uma quando fui ser médico residente (aprendiz) no Hospital dos Servidores do Estado (Rio de Janeiro) e a outra quando fui realizar estágio na Inglaterra. Daí passei a ter uma visão mais ampla das coisas: profissional ou pessoal.

Hoje, os Estados Unidos dominam tudo, sinto muita saudade de Paris, de Londres das mini saias da Mary Quant e do existencialismo de Jean-Paul Sartre ((1905-1980). E, na minha adolescência, deleitava-me com a Guerra Civil Espanhola descrita por Ernest Hemingway (1899-1961) no seu emblemático - Por quem o sino dobram? Suas touradas, lutas de boxes e valentias povoaram minha mente em formação.

Após a Segunda Guerra Mundial (Holocausto) e, em plena Guerra Fria, chegaram os anos 60, 70 e 80. Com eles, os protestos dos jovens em Paris, a revolução hippie que teve alcances planetários com seus rapazes e moças trajando calças jeans e camisetas. O encontro dos Mundos.

Pela primeira vez na história do homem, os jovens do Terceiro Mundo dialogavam com os do Primeiro Mundo. Drogas e sexo que eram temas reprimidos de repente passaram a fazer parte do cotidiano. A juventude misturava-se pedindo Paz e Liberdade. Ilusão da revolução universal e também o fracasso de tudo isso... Assisto desolado a este Planeta de movimentos inacabados, apesar da esperança inabalável por um mundo melhor.

Que pena! Mas, valeu à pena. Fica para o futuro.

Tudo fracassou apesar de serem esses movimentos argamassas para uma pavimentação de uma estrada que conduza a uma sociedade mais justa. Passado (aparentemente) o perigo nuclear, muro de Berlim, voltamos às guerrilhas, atentados de todos as maneiras, invasões, luta pela energia, ecologia e o aquecimento da Terra. Terrorismos e "homem bomba". Verdade - vivemos mais tempo, porém sem melhorar a qualidade de vida.

E para concluir lembro-me, quando criança, perguntava a minha mãe quando o mundo ia se acabar, e ela respondia:

Meu filho, o mundo só se acaba para quem morre.

Resolvi, então, continuar caminhando e quero morrer bem vivo. Muito vivo! Assim estou nos meus 72 anos, muito vivo e permaneço com a mesma capacidade de me indignar como se fosse um jovem adolescente com muitos sonhos para realizar. Toda grande notícia de hoje, amanhã passará a ser mero "jornal de ontem". Lutar sempre, apesar das limitações que a Biologia imponha, é o meu Dever.


DO LIVRO PEQUENOS ESCRITOS DE UM MÉDICO
EDITORA LIVRO RAPIDO- Recife, 2007-PEÇA PELO SITE www.livrorapido.com.br

LEIAM OS CLÁSSICOS

Meraldo
Zisman

DO LIVRO PEQUENOS ESCRITOS DE UM MÉDICO
EDITORA LIVRO RAPIDO- Recife, 2007-
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Os traços das pessoas em nossa cultura são, em grande parte, desenvolvidos pelas leituras. Desconheço leitor (não importa a profissão que desempenhe) que não seja grato aos livros, pelo que eles lhe tenham ensinado: de bom e de ruim. Não existe livro que não ensine algo ao leitor. Na mocidade, lê-se muita coisa ou não se lê nada. Não poucas vezes, lê-se de afogadilho. Lembro-me de certas leituras de minha adolescência que me influenciaram perenemente. Como os livros de aventura do holandês Hendrick Van Loon*, quando afirma:

Longe do norte, numa terra chamada Svithjod, existe uma rocha. Possui 100 milhas de altura e 100 milhas de largura. Uma vez em cada milênio, um passarinho vem à rocha para afiar seu bico. Quando a rocha tiver sido totalmente desgastada, então, um único dia da eternidade terá se escoado.

Um outro livro que, praticamente, determinou minha escolha profissional, quando estava com 12 anos de idade, foi O Romance da Medicina, de autoria do doutor Logan Clendening, professor de Clínica Médica da Universidade de Kansas, E.U. A, traduzido por Almir de Andrade, 1951, Livraria José Olympio Editoras, presente do meu avô materno.

Certos livros conservam seu frescor como se nunca tivessem envelhecido, principalmente os que contam as histórias da Medicina praticada no início da minha vida profissional. Outros, quando os releio, dão-me a sensação de melhor compreendê-los, seja valorizando-os ainda mais, ou colocando-os no seu devido lugar na importância da minha subjetividade que, na eternidade do tempo, fui caminhando fazendo o leito pedregoso da nova estrada com meus pés descalços.

Lembro-me de Os Lusíadas. Pareciam-me os seus cânticos um inferno didático para os exercícios da análise gramatical. Contraí um horror à maior poesia épica da língua portuguesa. Devo (passados muitos anos) ao professor Rubem Franca, camoniano da nossa Sociedade de Médicos Escritores de Pernambuco - SOBRAMES-PE, a redenção de encontrar, no maior épico lusófono, não as chatices dos meus professores de gramática, na qual se procuravam o sujeito da oração e os predicadoras daquela história de aventura em versos e, quando se pensava que o sujeito estava no fim da frase, estava ele escondido no meio ou no princípio, nunca no lugar em que eu pensava que estivesse. Hoje, sinto parte da grandeza daquela obra de uma maneira bastante diferente dos meus tempos de ginásio.

Às vezes, ao ler um livro, um artigo, uma crônica, uma poesia, minha memória desperta. Adquire aquela leitura uma significação sui generis, incorporada à minha natureza. Outros, tão decantados na adolescência e juventude, não mais me tocam como dantes. Desconheço algo que seja capaz de substituir o sabor de uma leitura, apesar da nova era da informática. O livro possui textura, beleza gráfica. Sensualidade. Cheiro. As palavras impressas são uma forma de escultura - de letras - de palavras - de frases - dos parágrafos... São, com estátuas impressas, expressões da Arte Gráfica. Há um prazer sensual em folhear as páginas de um bom livro, as suas páginas e capas são como a pele da mulher amada, parecem vivas. Quando um jovem me pergunta quais são os melhores livros para um médico ler, respondo sem titubear:

Leiam os clássicos. Neles encontrarão as novidades do Mundo.

* Hendrik Van Loon nasceu em Roterdan, na Holanda, em 1882. Emigrou, em 1903, para os Estados Unidos e trabalhou como jornalista e professor de História Em 1922, o seu livro mais importante foi lançado; A História da Humanidade ( Story of Mankind). Faleceu em 1944.

O TAMANHO AO NASCER

Meraldo Zisman

A média do tamanho dos bebes nordestinos quando nascem continua muito baixa, apesar da diminuição da mortalidade infantil (aquela que acontece durante o primeiro ano de vida). Porém uma coisa não mudou--- a fome ancestral---- que assola a maior parte do Povo Brasileiro.

Quando se compara o tamanho dos neonatos nordestinos com os de populações brasileiras de melhor renda, a diferença dos nossos recém-nascidos pobres é gritante.

Apesar da diminuição do número de crianças com peso insuficiente ao nascer (menos de 2.500 g) tenha diminuído, este é um indicador pouco significativo.

O comprimento médio permanece sendo de 47 centímetros. (Desde 1960 venho alertando que o nordestino tem baixa estatura devido a uma precária nutrição materna e quando falo em desnutrição, englobo todas as mazelas da miséria, conferir no livro de nossa autoria Nordeste Pigmeu publicado em 1987).

Nascer pequeno não é um handicap apenas físico, é também emocional. Diminui a capacidade de aprendizado, aumenta o comportamento anti-social e a violência. Aqueles que nascem com menos de 47 cm são os que têm maior risco, já que um crescimento fetal insatisfatório poderá ter efeitos de longo prazo sobre a química do cérebro.

Em 320 mil crianças nascidas entre 1973 e 1980 na Suécia, o número de tentativas de suicídio, até 1999, era maior nas crianças que nasceram pequenas. É importante saber que os bebês incluídos no estudo tinham, em média, ao nascer, entre 50 cm e 51 cm de comprimento. No grupo analisado, houve 759 tentativas violentas de suicídio - definidas como enforcamento, uso de arma de fogo ou faca, salto de alturas, jogar-se em frente a um veículo ou afogamento.

A ligação entre o comprimento no nascimento e o risco de suicídio mostrou forte associação com o peso inferior a 2,5 kg no nascimento. O baixo peso aumenta a propensão às doenças psicossomáticas, infecciosas, degenerativas, etc.

Um crescimento insatisfatório do bebê no útero influencia a altura do bebê no nascimento e a forma como o cérebro se desenvolve. Além disso, deturpa a produção dos neurotransmissores como a serotonina, também conhecida como a substância "mágica" ligada ao desenvolvimento e ao humor de um modo geral, notadamente baixa em pessoas com depressão.

O pouco crescimento no útero poderia ser causado pelo uso abusivo de drogas, inclusive álcool, pela mãe ou por uma dieta ruim ou mesmo por um ambiente estressógeno - de Miséria.

É possível identificar gestações de risco e mães em situação adversa, como aquelas com problemas sociais, mães adolescentes e as com passado criminoso. Há evidências mostrando que uma intervenção nessas mães pode ter efeito no desenvolvimento da criança, no longo prazo.

Porque não tentar agora, melhorando as cestas básicas das gestantes, com mais proteínas e melhores nutrientes, além de outras coisas mais?

E pensar em um acompanhamento pré-natal que não se resuma ao fornecimento de cestas básicas ou uma orientação médica de última hora. É o melhor que se pode fazer, no momento, em prol das futuras gerações brasileiras.

Caso contrário a coisa não anda. Nem com todos os PAC do mundo...

COMPORTAMENTO VIOLENTO

Meraldo Zisman

Existe uma grande preocupação com a incidência de comportamentos violentos entre as crianças e os adolescentes. Esta questão, que é bastante complexa, tem de ser cuidadosamente compreendida por pais, professores e responsáveis. Todas aquelas pessoas que, desde o tempo da pré-escola, apresentem comportamentos agressivos - seja em relação aos professores, pessoal auxiliar da instituição de ensino e/ou seus colegas - deverão ser bem observadas.

Não se deve tentar apaziguar a situação e afirmar que tais procedimentos passarão com o avançar da idade. As expressões "quando crescer, isso passa" e "ele é macho e não leva desafora para casa" necessitam ser encaradas como extremamente perigosas. Eu tenho a certeza de que comportamentos violentos, em crianças e adolescentes, sempre têm de ser levados muito a sério.

Um ato violento inclui uma ampla gama de comportamentos e sinais anti-sociais, que podem ser bastante assustadores. Entre eles, estão: atitudes violentas, hostis e explosivas; agressões físicas; brigas; ameaças ou tentativas de ferir pessoas (como, também, pensamentos homicidas); porte de armas; ações cruéis com animais; queimação de alguém, e destruição de propriedade alheia. A omissão ou o reforço positivo a esses procedimentos aumentam o risco da existência de comportamentos violentos que, se não forem coibidos a tempo, podem levar à marginalidade.

Exemplos disso são os abusos físicos e/ou sexuais, a exposição à violência no lar e/ou na comunidade, a exposição à violência nos meios de comunicação (televisão, cinema, rádio, jornais), bem como o uso de drogas e os homicídios ou suas tentativas. A situação fica ainda mais grave quando é combinada com certos fatores socioeconômicos, tais como a pobreza e as privações graves, o stress familiar (desavenças conjugais, separação, divórcio), o desemprego e a perda do apoio familiar. Além desses, podem estar envolvidos fatores genéticos (família/ hereditariedade) e/ou danos cerebrais causados por traumatismo craniano.

Em resumo, os principais "sinais de alarme" para comportamentos violentos são: raivas intensas, freqüentes perdas de controle, extrema irritabilidade, impulsividade intensa ou o tornar-se facilmente frustrado.

O que se deve fazer, então, quando a criança ou o adolescente apresentar um comportamento violento? Um diagnóstico e tratamento precoces, através de profissionais qualificados, muitas vezes, podem ajudar.

Algumas metas do tratamento se concentram em auxiliar a criança: a expressar raiva e frustrações por meios mais adequados; a aprender a controlar a ira; ser responsável por suas ações; e a aceitar as conseqüências e os castigos pelas agressividades cometidas.

Em se tratando de psicoterapia, deverão ser abordados, na relação terapeuta/criança ou adolescente, os conflitos familiares e os problemas escolares e comunitários. As investigações têm mostrado que, muitos comportamentos violentos podem ser reduzidos, ou ainda impedidos, caso os fatores de risco sejam reduzidos ou eliminados de modo significativo.

É muito importante que todos os esforços estejam dirigidos para a diminuição drástica da exposição de crianças e adolescentes à violência na família, na comunidade, e nos meios de comunicação de massa. Sempre que pais ou adultos (da equipe da escola) presenciarem comportamentos violentos, deverão providenciar, imediatamente, uma avaliação exaustiva dessa criança ou adolescente e dos seus familiares, por profissionais qualificados em saúde mental. Isto se afigura de fundamental importância, se desejamos viver em uma sociedade menos violenta.

VIOLÊNCIA ESCOLAR.

VIOLÊNCIA ESCOLAR.
Meraldo Zisman

(BULLYNG)



Bullying é o termo em inglês para intimidação física e psicológica, assim como a disseminação regular de apelidos depreciativos, boatos e fofocas. É muito mais freqüente que a Sociedade, pais ou professores gostariam de acreditar.

A escola passa a ser uma tortura para determinadas crianças e adolescentes, quando motivos de chacotas pelos outros colegas. Não somente as agressões físicas e as torturas corporais são importantes. Cremos ser as psíquicas que deixam cicatrizes mais duradouras. Podemos imaginar o que se passa nos dormitórios, com determinadas crianças que são escolhidas pela "gangue de valentões" para serem torturadas. Os relatos das escolas, internatos de ordens religiosas fazem parte do nosso folclore ou anedotário das mais diversas épocas, principalmente de adolescentes cujos pais moram no Interior e necessitam passar escolaridade, mais elevada, não existente em muitas de nossas localidades.

Parece que as autoridades escolares escondem tais fatos, por segurança própria (medo de se tornarem vítimas desses jovens violentos) ou por zelarem pelo bom nome do educandário. Mesmo que não sejam internatos, os alunos combinam brigas e desforras no fim das aulas. As saídas dos colégios costumam ser palco de muitas agressões entre colegas. Atualmente, com a disseminação do uso de drogas, armas de fogo e narcotráfico, a violência está aumentando cada vez mais. Independentemente de a escola, ser pública ou privada os "rituais de passagem" -, colégios militares ou páramilitares, ordena religiosas determinadas confrarias universitárias, das mais tradicionais universidades - a agressividade passou a ser atributo do agressor.

Os professores, pensando em sua segurança individual, fazem vista grossa ao que está ocorrendo entre os seus discípulos. A imprensa também, omite ou alardeia demais quando são educandários da periferia. Muitas vezes, é necessário que ocorram episódios extraordinários para que as autoridades educacionais tomem conhecimento ou que a polícia venha tomar providências. Vamos a fatos reais:

Nos Estados Unidos, foi necessário ocorrer um episódio de violência chocante para chamar a atenção para o problema. O tiroteio na escola secundária Columbine, no Colorado, foi uma tentativa trágica de revide de dois meninos que vinham sendo intimidados por dois atletas muito populares e forte do estabelecimento.

O bullying foi um dos fatores que levaram Jeffrey Weise para uma vida de isolamento antes de partir para o tiroteio desordenado de retaliação na Red Lake High School, em Minnesota, matando nove pessoas e a si próprio.

Muitas vítimas de abusos preferem o suicídio. Sabem que se tomarem alguma atitude de delação serão submetidas a castigos ainda mais severos e humilhantes, pois o sistema onde imperam a concorrência e o salve-se-quem-puder tendo a considerar o temperamento agressor como heróis do nosso século.

As escolas deveriam tomar medidas mais efetivas para deter esse tormento social. Não posso compreender como as autoridades educacionais chegam a tal ponto de omissão de tomarem medidas enérgicas contra o bullyng. Maldades escolares são fatos antiqüíssimos da História.

A partir da década de 80, um grupo de estudiosos pediatras, psicólogos, antropólogos e sociólogos- liderados pelo psicólogo Dan Olweus, da Universidade de Bergen, pesquisou cientificamente o abuso coletivo (mobbing, em inglês) - equivalente ao bullying em grupo - entre estudantes. Em pesquisas pioneiras, envolvendo estudantes suecos e noruegueses, concluíram que crianças podem ser hábeis em empregar o poder social contra o colega "mais vulnerável".

De acordo com o Centro Nacional de Estatística de Educação dos Estados Unidos, em 2003, cerca de 7% dos estudantes americanos com idade entre 12 e 18 anos notificaram ter sido alvo de bullying nos seis meses precedentes (e certamente muitos outros nunca disseram uma palavra sobre de que maneira foram abusados). A probabilidade de bullying foi maior entre as crianças com menos idade: 14% dos estudantes do 6o ano (equivalente à 5a série do Ensino Fundamental no Brasil), 7% dos estudantes do 9º ano (8ª série do Ensino Fundamental) e 2% dos alunos do 12º ano (3º ano do Ensino Médio).

Um estudo de 2001, elaborado pela Fundação Família Kaiser e Nickelodeon, revelou que 74% das crianças entre 8 e 11 anos reportaram a existência de bullying em suas escolas; 86 % das crianças entre 12 e 15 anos também observaram a existência de bullying. A maioria das crianças ficam atemorizadas, não tem coragem de delatar a situação do "colega - vitima", com medo de se tornarem, mais tarde, as próximas vítimas. O medo passa a imperar no estabelecimento de ensino. Crianças violentas possuem facilidade de organizar um cerco contra determinado colega e escolher, quando necessário, novas vítimas. Estudos longitudinais desses jovens-agressores mostram que continuam socialmente hostis pela vida afora. Sentem prazer em humilhar os outros. Freqüentemente, essas crianças, são oriundas de lares onde imperam a violência, de todos os tipos.Principalmente, dos lares desfeitos. Os primeiros estudos mostram que crianças atormentadas pelos colegas de escol a tornam-se incapazes de se defender contra a hostilidade e reagem aos ataques com angústia e retraimento . Tornam-se adultos desequilibrados e sem iniciativa.

Na escola, os agressores são considerados figuras muito populares, em contraste com a relativamente baixa posição social de suas vítimas.

Quanto às meninas abusadas, a mágoa de terem sido excluídas e ameaçadas continua afetando-as na vida adulta e propensas a sofrer violências no lar ou na vida profissional.

Os professores e as autoridades educacionais precisam dar exemplos práticos por meio de um comportamento diverso. Estudantes mais fracos não carecem ser criticados em sala de aula. Se um professor deixa claro que todos são tratados da mesma forma, os alunos vêem nisso um sinal negativo ("fracos e fortes"), incentivam o respeito ao próximo.

Não devemos nos esquecer do recente assassinato de um chino-brasileiro calouro de Medicina da nossa principal escola médica do Brasil que morreu afogado em um trote de veteranos (futuros salvadores de vidas), e, os indiciados não sofreram penalidades. Foram absolvidos.

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Um pequeno inquérito

SERÁ QUE MEU FILHO OU MINHA FILHA ESTÁ SENDO ABUSADO NO COLÉGIO OU NA FACULDADE?

Meu filho (a) é vítima de bullying?

A maioria das crianças molestada pelos colegas nada conta aos pais, por medo ou vergonha. Talvez seja de ajuda marcar o questionário a seguir, para saber como anda a situação de seu filho com outros colegas de sua classe de aula.

Resistência inexplicável em ir à escola.

Medo ou ansiedade incomuns.

Distúrbios de sono e pesadelos.

Queixas físicas vagas, tais como dor de cabeça ou de estômago, especial -mente nos dias de aula.

Pertences que são "perdidos" ou que chegam em casa avariados.

Conduta

Se você suspeita que seu filho pode ser uma vítima, não pergunte a ele diretamente. Você deve fazer perguntas como: "O que acontece durante o horário de almoço?", "Como é ir para a escola a pé ou de ônibus?", "Há alguma criança agressiva na escola?". Seja um bom ouvinte. Permita que a criança tenha tempo para explicar como se sente. Se você suspeita que seu filho (a) pode ser uma vítima, diga claramente que não é culpa dele (a). Então pergunte a si mesmo,se a situação é séria o suficiente para procurar o professor, o diretor da escola, ou até mesmo, ir à polícia.

Como coibir o bullying

Não demonstrar fraqueza é uma forma de a criança reduzir as chances de um agressor vir a escolhê-la como alvo. Algumas táticas para o confronto:

Manter postura ereta e olhar o agressor direto nos olhos.

Ser educado, mas firme. Dizer "Pare"! ou "Me deixe em paz".

Não chorar ou mostrar que ficou aborrecido, mas afastar-se, se não puder esconder o medo.

Informar um adulto de confiança sobre o ocorrido.

*****

Os pais também podem ajudar as crianças que estão sendo vítimas de perseguição das seguintes maneiras:

Contatar a escola, mantendo anonimato e perguntar se a instituição tem uma política para lidar com os agressores.

Se ficar seguro de que uma investigação não irá expor seu filho a riscos, informar à escola dos acontecimentos que ficaram conhecidos, fornecendo datas, hora e lugar.

Acompanhar o caso junto com os administradores da escola. Perguntar que ações foram adotadas, e como o filho vai ser mantido em segurança.Essas medidas serão muito importantes para entender que a escola não é um segundo lar e, sim, um treinamento, com raras exceções, para a concorrência de "vencer na vida" as custas de rebaixar os outros.

Uma escola onde os alunos mandassem seria uma tristeza. A Pedagogia deve ser representada por um conjunto de mestres, aqueles que guardam a tradição do verdadeiro, da bondade e do belo. E da paz e o respeito ao próximo.

A IMORTANCIA DO LAR NA GENESE DA VIOLENCIA

A IMORTANCIA DO LAR NA GENESE DA VIOLENCIA ( PEQUENAS OPINIÕES)

Meraldo Zisman

TUDO COMEÇA EM CASA


Minha experiência parte do atendimento clínico e psicossomático de recém-nascido, criança, adolescente , jovem e dos seus pais por tempo maior de quarenta anos de pratica profissional


O movimento Psicossomático tem por dever despertar no Profissional de Saúde qualquer que seja a seu campo de atuação a cruzar os limites exclusivos do seu ofício para promover a Saúde, aqui entendida do seu sentido mais lato seja como saúde individual, coletiva e Ecológica. Mormente, quando se atua em um País de grande dimensão e de população continental, associado o formidável desnível regional ou social o profissional de Saúde deverá possuir uma formação mais humanística..

Assisto, aqui e agora, o esvaziamento dos consultórios privados e o alongamento das filas do nosso precário e sobrecarregado Sistema de Saúde Estatal — sobrecarregado, ainda mais, pela epidemia da Violência, não importando se de — auto/hetreroagressão.

Ressaltaria que tal fenômeno não é exclusivo da Medicina ou de um único saber, porém de todos os saberes da Humanidade e muito menos de um mero um tecnicismo que pretenda anular a pessoalidade do sujeito.

Partindo-se da premissa que um bebê necessita de um ambiente estável durante boa parte do seu crescimento (somático) e desenvolvimento (psicossocial) o psicossomatista está na posição singular para ficar a frente no combate da chaga histórica da — Violência. Não esquecer da vida intra-uterina; novo universo descortinado pela moderna Ciência é tão ou mais importante que passamos aqui na Terra.

AGRESSIVIDADE E VIOLÊNCIA

A agressividade é fundamental para a saúde. É o impulso para ação, para ir a busca de algo, para sair, mover-se. "Agressão" não é sinônimo de agressividade. Uma coisa é a iniciativa, a energia empregada num movimento, o uso livre da capacidade de desejar e tentar alcançar a coisa desejada. Outra coisa bem diferente é a hostilidade, a reação (ou ação) destinada a causar dano - ou seja, o emprego da agressividade com fins hostis. Agressividade. Advirto que o termo aggression serve para Freud designar tanto agressão como agressividade। Lacan por sua vez define violência :


É tudo aquilo que fere, destrói, agride ou machuca as pessoas, ações que não preservam a vida ou prejudicam o bem estar tanto individual quanto coletivo।


MÃE SUFICIENTEMENTE BOA / BERÇO ACOLHEDOR

Na definição ampliada de Donald Winnicott (pediatra e psicanalista inglês do século passado), cunhou o conceito de mãe suficiente boa.

Acredito que devamos ampliar tal assertiva, baseado na minha experiência de quarenta anos de pediatra.

Conceituou que para que exista uma mãe suficientemente boa (a que atende a demanda do seu filho sem exageros ou desencantos), carece para desempenhar de ser inserido um ambiente facilitador para que o impulso vital do bebê para a maturidade necessita, sobretudo de um ambiente seguro, estável e facilitador ao desenvolvimento do Ser.

O que este pediatra e psicoterapeuta, entende por mãe suficientemente boa (ou de quem faz de sua vez), reside na capacitada para atender a demanda do bebê. Fato que somente poderá acontecer desde que ela encontre segurança no pai e no “ambiente aonde vive”. A falta de um berço acolhedor dentro de uma mãe suficientemente boa tende a tornar a criança, o adolescente, o jovem ou adulto uma pessoa potencialmente violenta ou psicótica.


Para existir uma mãe suficientemente boa / um berço acolhedor, faz-se necessário um pai presente e uma ambiente social seguro. Crescer, desenvolver-se é uma tendência vital herdada, associada a um ambiente facilitador. Para existir uma mãe suficientemente boa e/ou um berço acolhedor, faz-se necessário um pai presente e uma ambiente social seguro.

Não existe uma mãe sem um seu bebê।


PRINCIPIO DO MENOR RISCO / MENOR DANO

Durante a Segunda Guerra Mundial o devastador efeito dos bombardeios alemães sobre Londres aumenta quando surgem os foguetes V2. O governo britânico temendo pela sorte de suas crianças resolve evacuá-las para lares e alojamentos no interior do país. Mas, tiveram a preocupação antes de anunciar essas drásticas medidas consultar dois médico de renome (ainda não reconhecidos internacionalmente que foram os Drs Donald Winnicott e John Bowbley).

Os mesmos opinaram que afastar crianças antes dos dois anos de idade seria uma ação danosa de realizar, desde que para um bom desenvolvimento da pessoa a ausência materna aumentava a possibilidade dos danos para a saúde mental de tais crianças (irreversíveis) ao nível de praticamente 100%, enquanto a chance de ser morta por bombardeios seria aproximadamente de 25% a 30%. O afastamento do materno e da família seria tão grave que melhor correr o risco de morrer pelos bombardeios das V2.

É compreensivo que as condições psicossociais do povo inglês fossem bem diversa da nossa, ainda que, por volta de 1942. Mas, o fato importante é que diante de situação calamitosa (o governo britânico), teve o bom senso de solicitar a orientação aos dois médicos destacados na área de Saúde Mentais, para regulamentar a execução de sua decisão.

ETERNOS CREDORES

Quando o ambiente e a Sociedade, devem algo a uma criança, sedo ou tarde terá que saudar o compromisso sob penas as mais severas.

A criança, o jovem que se sente lesado dirige seu comportamento para fora, daí o comportamento anti-social: os furtos, a agressividade exagerada e violência, são assemelhados a cobrança extorsiva que o nosso sistema bancário faz com os seus devedores. Que não passa de uma forma de violência como a carga tributaria que o nosso sistema bancário e Estado impõe ao cidadão brasileiro. (Custo Brasil)

A violência seria no meu entender a cobrança do povo e principalmente os de menores de mostrar sua indignação ou cobrança da nossa divida social.

O HOMEM

É um homem quem mata, é um homem quem comete ou suporta injustiças; não é um homem que, perdida já toda a reserva,compartilha a cama com um cadáver. Quem esperou que seu vizinho acabasse de morrer para tirar-lhe um pedaço de pão,está mais longe (embora sem culpa) do modelo do homem pensante do que o pigmeu mais primitivo ou do sádico mais atroz. Uma parte de nossa existência está nas almas de quem se aproxima de nós; por isso, não é humana a experiência de quem viveu dias nos quais o homem foi apenas uma coisa ante os olhos de outro homem.

Primo Levi



Ao longo de sua história, o Homem tem sido definido como homo sapiens, faber, laborans, ludens, politicus, religiosus, oeconomicus, privilegiando, cada uma dessas definições, uma dimensão humana.

A definição de homo violens, quando alguns pensadores ou filósofos consideram a violência uma da característica primordial, constitutiva do ser humano.

Para além de uma concepção eruptiva da violência como algo que explode, de forma repentina de imprevisível, e que se coloca do lado do desvario, do absurdo, da loucura, ou que se imagina como encarnação do mal e do pecado.

A hipótese de uma função estruturante essencial da violência, pois inexiste qualquer aspecto da realidade humana que não esteja a ela vinculada e descreve que a História é testemunha da violência que permeiam a sina do Homem durante as mais variadas épocas. (Dadoun, Roger), são atitudes pessimistas e pobres dos que lutam por um mundo melhor possam ser abalados por essas máximas

Quando a violência torna-se banal?

Observa-se freqüentemente que a eficiência do terror depende quase que completamente do grau de atomização social. Toda forma de oposição organizada deve desaparecer antes que a força total do terror possa enfraquecer.

Esta atomização é sustentada e intensificada através da ubiqüidade do informante, o qual pode literalmente estar onipresente, pois não se trata mais de apenas um agente profissional a soldo da polícia, mas potencialmente de qualquer pessoa com quem se entre em contato. ”“.

A esse respeito lembro uma citação de Hannah Arendt (1906-1975), — a filosofa se remete a um outro contexto— mas, tem a função de alerta:


Observa-se freqüentemente que a eficiência do terror depende quase que completamente do grau de atomização social. Toda forma de oposição organizada deve desaparecer antes que a força total do terror possa enfraquecer.

Esta atomização é sustentada e intensificada através da ubiqüidade do informante, o qual pode literalmente estar onipresente, pois não se trata mais de apenas um agente profissional a soldo da polícia, mas potencialmente de qualquer pessoa com quem se entre em contato.”“.


Nossa cultura tem como reputação em ser denominada: Era da Imagem, da Incerteza, Cultura do Espetáculo, Seus efeitos se revelam pela exposição de uma luta em vão dos homens contra seu desamparo e colocam por terra a ilusão do sujeito moderno de que haveria um lugar passível de certezas e garantias. Numa cultura que nos exige sermos assertivos, bem-sucedidos, afortunados, vencedor — em que o individualismo se torna mais palpável, o risco fantasmático da destruição e da solidão torna-se cada vez mais presente é a Civilização do:


Civilização do cinismo, da delinqüência, do narcisismo e da violência


A importância de promover um ambiente satisfatório ou das falhas ambientais, apontam que os riscos para a conduta anti-social da criança que sofria de privações precoces como uma maneira de pedir por uma mudança no ambiente.

O comportamento e atitude anti-sociais acontecem enquanto o Homem, desde quando criança tiver alguma esperança. Esperança de ver suas necessidades atendidas, mas, também, de poder contar com o outro, de poder ser amada, de poder construir um projeto de vida। Depois de um tempo, se não há respostas favoráveis, desaparece a esperança e a situação se cronifica tornando o seu manejo muito mais difícil, pois, ao penetrarmos na era da banalização da Violência à volta, tornar-se-á — dificílima. Tendo como pressuposto que a criança é o pai do Homem ficamos, a maioria, desbaratada dos fracassos das medidas corretivas tomadas contra a Violência. No dizer de Napoleão Bonaparte a criança que hoje nasça tem 200 anos de idade.


A CRIANÇA É O PAI DO HOMEM


CONCLUSÕES

Portanto de uma coisa tenho certeza que para diminuir a violência não é por medidas simples e muito menos policial ou judicial do governo ou da Sociedade. Foi-se o tempo de acreditar que pela melhoria de renda a violência seria aplainada. Não existe uma relação fixa de causa e efeito entre pobreza e violência. Está maneira de pensar, prefiro denomina-la de ingênua.

São pensamentos e ações pífias e que somente confundem a as camadas sociais brasileiras, mais apavoradas.

Esquecem que a vida em Sociedade, continua sendo a vida familiar o melhor espaço de aprendizagem.

A Família qualquer que seja as modificações trazidas pelo espírito do tempo (globalização, consumismo, imagem,etc) continua sendo o logos educacional das pessoas, de tal maneira que os filhas e filhos possam usá-las para aprender a viver em sociedade e também que possa ser fortalecida para quem contra ela se rebelar.


A prevenção da violência continua em Casa.


Apesar do grande respeito ao filósofo Arthur Schopenhauer (não concordo com muitos do seu pessimismo):


No inicio da juventude, quando contemplamos nossa vida vindoura, somos como crianças num teatro antes de a cortina subir, sentados lá e animados esperando ansiosamente o início da peça. É uma bênção que não saibamos o que vai realmente acontecer. Pudéssemos prevê-lo, haveria ocasiões em que as crianças poderiam parecer prisioneiros condenados, não a morte, mas a vida, e ainda inteiramente inconscientes de qual o significado da sentença


Compreendo quando acontece um caso de violência dormimos melhor com uma explicação. Freqüentemente, a procura da explicação revela mais sobre nós mesmos do que sobre o objeto de nossa investigação.

No caso do taciturno, calado, introspectivo atirador da Virginia Tech, ou no menino carioca arrastado por outros “de menores” em um assalto de carro, constantemente mencionado na Mídia, para logo cair no limbo de esquecimento, substituído por outra violência mais tenebrosa, explica o porquê: eu estou tão preocupado em esconder a minha agressividade que prefiro escondê-la em um turbilhão de palavras vazias e cordiais. O silêncio evoca tudo ou quase tudo que tento esconder, de mim mesmo, dos outros, pensando estar protegido por um muro erguido pela afetividade. Porém, quase nunca nos lembramos de determinadas pessoas, que mesmo no horror de uma tragédia fez a coisa certa? Não seria melhor estudarmos esses casos?