domingo, 1 de março de 2009

ABALOS VOCACIONAIS
Não esquecer que ninguém chega ao fim da vida sem ter visto indeferido mais da metade de seus sonhos.

Meraldo Zisman

A Saúde passou a ser um bem de consumo. Esquecem que a Medicina não pode seguir essa tendência: a contabilidade do trabalho médico não poderá ser auferida unicamente pelo ganho monetário. Não foi isso o que me ensinaram na Faculdade. Porém, assisto, ao longo de meus 45 anos de vida profissional, a esse abalo vocacional dos praticantes do exercício da Medicina, pela maioria dos profissionais de Saúde (salvo as exceções de praxe).

Com o encolhimento do Governo no Setor da Saúde, assisto ao crescimento de hospitais luxuosos para atender a uma minoria que pode pagar um plano de Saúde de preço estratosférico. O resultado foi o sucateamento da Medicina Estatal, da Previdência Social e das ações do Ministério da Saúde. Importaram-se modelos completamente estranhos à nossa tradição médica.

Explicações do tipo: aumento dos gastos, tecnologias novas e caras, aumento da média de vida do brasileiro comum, não me parecem elucidação convincente para o caos na Saúde. Importaram-se gerenciamento e tecnologia de países de formação histórica bem diversa da nossa. Novos hospitais particulares são como ostentação de riquezas que se parecem mais com bancos ou hotéis de cinco estrelas, ao lado das filas vergonhosas dos pobres a mendigar atendimento médico. Com a valorização da tecnologia, os médicos passaram a ser meros manipuladores de máquinas. Outro fato a que assisto surpreso é o investimento de aparelhagens médicas, mais para shoppings ou bancos ou cassinos.

Vejo os jovens médicos maltratados, mal pagos, insatisfeitos e desumanizados ou, então, ganhando rios de dinheiro, quando dominam alguma dessas tecnologias de ponta ou têm capacidade empresarial. Nem, nos países mais ricos, assisto a tantos gastos com exames complementares, e tanta maldade de conservar, em manter em UTI, pacientes irrecuperáveis e que ficariam mais bem assistidos na companhia dos familiares.

O que importa para esses empresários é o aumento do faturamento, e não o bem-estar da pessoa. O resultado é o desbaratamento dos jovens médicos (e médicas) e dos pacientes sofredores. Não sou contra o sistema ou a capacidade empresarial para o lucro, mas se tratando de vidas humanas - é diferente. As Leis de Mercado na Saúde não têm vez. Isso é uma vergonha!

ABALOS VOCACIONAIS II

Capítulo I

Dos presentes não se fala

Falar a verdade sempre foi muito perigoso. Mas vamos aos fatos. Denomino de pesquisinha uma série de trabalhos que pululam em revistas médicas, geralmente patrocinadas por laboratórios farmacêuticos, sem corpo editorial de valor, sem serem indexadas e servem para inchar currículo de professores numa propagação de also-paper, indiscutível. Na maioria das vezes, vão direto para a lata do lixo dos consultórios dos esculápios. Refletem-se, seus conteúdos em nossas Jornadas e Congressos, engessados nuns mesmíssimos de pessoas e de assuntos acompanhados do conchavo:

Capitulo II

- Me convida, que te convido.

E tomem congressos, palestras, reuniões e jantares em suntuosos hotéis de cinco estrelas, centros de convenções, acompanhados de distribuição de pastas, canetinhas, bloquinhos, calculadoras e até computadores! Brindes? Dos mais extravagantes. Soube de um congresso que sorteou uma lancha entre os participantes, e outro, um cavalo Manga Larga Marchador, esse obviamente realizado em Minas Gerais. Quando olho os auditórios cheios de moças e rapazes, jovens médicos com vontade de aprender, tenho pena. Parecem mais bandos de sacoleiros e sacoleiras vindos do Paraguai.

Os apresentadores (quase sempre os mesmos) fazem uns sumários de atualizações didáticas, facilitadas agora pela Internet, ajuntados (quando muito) a uma esquálida casuística pessoal ou compilada dos centros mais adiantados, de preferência, da multinacional fabricante da nova medicação.

Saber comunicar, ser um bom apresentador, simpático à audiência, passa a ser uma figura de renome. Será que não erraram de profissão? Melhor fossem âncoras dos programas televisivos!

Capítulo II

Caricatos

Um biólogo estudava o aprendizado e o comportamento das formigas. Ele pega uma formiguinha, diz:

Formiguinha, anda - e a formiga anda.

Arranca uma das patas da formiga e repete:

Formiguinha anda e, mesmo capenga, a formiguinha anda.

Vai então arrancando as patas do inseto uma a uma, até que, quando arranca as seis patas da formiga, repete:

Formiguinha anda; e a formiga não se move.

Conclusão: formigas sem pernas são surdas.

Também tenho outra, antes de as nossas carroças possuírem injeção eletrônica. Um mecânico pesquisador levanta a tampa do motor e desliga os cabos das velas. O motor pára.

Conclui:

-O que faz o carro andar são os cabos das velas.

Capítulo III

A ex-comunhão

Cenário:

Reunião da Sociedade de Pediatria. Local: Rio de Janeiro. Comitê Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno.

Descoberta: leite materno é o ideal para as crianças, e leite de vaca é o mais adequado para a alimentação dos bezerros. Pesquisinha boa, pois muito menino deixou de morrer de diarréia. Pois bem, a douta comissão era formada por duas senhoras vitalinas (moças, idosas, solteironas) e dois senhores homossexuais declarados (não havendo SIDA, naqueles tempos, ainda estão vivos, e eu respeito a opção sexual d cada um. Para mim, isso não conta, pelo contrário, respeito a coragem de quem assume o que é, o direito das minorias, para mim, é sagrado. Declarou-se uma verdadeira guerra às mães que não amamentassem. E assim o leite materno passou a ser dogma.

Uma cliente minha, por não ter leite, tinha se suicidado. Eu dei meu pitaco naquela reunião: que devemos ser mais precavidos em generalizar as coisas. Existem mulheres que não têm secreção láctea, existem contra-indicações formais à amamentação por serem psicóticas etc. e, que, em Ciência, inexistem verdades imutáveis.

Muitas vezes, a mulher não amamenta por problemas psicossomáticos, o pai fica enciumado, a mãe tem que trabalhar, câncer de mama, mastectomias, etc. etc, e poderemos em certos casos, com esse dogmatismo, causar mais mal do que bem.

Os quatro doutos membros da Comissão caíram em cima de mim como abutres. Fui esmagado, triturado e acusado de estar vendido a uma multinacional que fabricava leite em pó e que, por sinal, era uma das patrocinadoras daquela reunião de programa do incentivo ao aleitamento materno.

Era jovem. Inexperiente. Cheio de testosterona. E, quando ouvi essa torpe acusação à minha pessoa, disparei:

Como podem, quatro solteirões que nunca vão ter filhos(opção própria), opinar sobre problemas de maternagem e paternagem?

Capítulo IV

Final

Nunca mais fui convidado para nada. Fui excomungado. Que pena! Na verdade, quem é que não gosta de mordomia? Cada um é o que é! Somente me resta o consolo da consciência tranqüila, filosofo eu, aqui do meu retiro.

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