sábado, 24 de abril de 2010

Sorria, você esta sendo filmado



SORRIA, VOCÊ ESTA SENDO FILMADO

Meraldo Zisman

Médico-psicoterapeuta


Foi a impressão que tive quando li a entrevista das “páginas amarelas”, na Revista Veja (14/10/2009), intitulada Caixa-Preta na Cirurgia, com o cirurgião paulista Dr. Ben-Hur Ferraz Neto, 47.
Apesar de minha longa carreira profissional com pediatra e atualmente como psicoterapeuta, o estresse diuturno da/na atividade cirúrgica é de estremecer. O entrevistado trabalha em um dos principais hospitais brasileiros. Concordo quando afirma que, por mais que a tecnologia evolua, jamais será capaz de controlar todas as inúmeras variáveis envolvidas num ato cirúrgico.
Na verdade, inexiste ação humana capaz de garantir em 100% o êxito ou a segurança, e muito menos máquinas competentes para reproduzir a vida do paciente em tempo real, com a pulsação, o sangue correndo pelas veias do paci ente e o movimento dos órgãos, isso sem falar da equipe cirúrgica.
Também estou de acordo com o entrevistado quanto à necessidade de o médico-cirurgião possuir uma personalidade resoluta, o que lhe permita tomar decisões instantâneas e criativas para salvar a vida do paciente, além dos atributos de conhecimento, treinamento, etc. O que não abarquei foi a ênfase dada pelo entrevistado quanto ao valor da existência de uma Caixa Preta na sala de cirurgia!
Na aviação, tudo bem. Em geral, vários fatores estão envolvidos na queda de um avião, como erro humano, equipamento, condições atmosféricas, etc., e os registros servem à profilaxia da repetição de acidente semelhantes, apesar de não ressuscitar os mortos.
Já imaginou, leitor amigo, se o piloto colocasse em votação entre os comissários de bordo e os passageiros, se deve ou não realizar um pouso de emergência? Assim como o comandante de uma aeronave, um cirurgião trabalha com auxiliares de diferentes graus de conhecimento. Raros são os atos cirúrgicos em que não se necessite de ajudantes, todos sujeitos às mesmas condições de Humanos. Ou será que o cirurgião, por ser cirurgião, não teria a mesma condição dos demais mortais? O cirurgião seria algum deus?
Como psicoterapeuta, tenho a impressão de que todos nós temos lá o nosso momento emocional capaz de influenciar a conduta profissional. Por outro lado, já imaginaram a sensação de um cirurgião — ao levantar os olhos do campo operatório e deparar-se com uma câmera ou outra geringonça com o letreiro: “sorria, você esta sendo filmado”? Isso não tornaria o trabalho ainda mais estressante? Como reagiria um cirurgi� �o sabendo-se vigiado por um Big-Brother?.
Em lugar da caixa preta não faríamos melhor se tratarmos o “narcisismo doentio que pode acometer um cirurgião ou qualquer outra pessoa?”. Quando um familiar ou amigo meu tem de se submeter a uma cirurgia prefiro não entrar na sala, para que a equipe cirúrgica fique mais à vontade.
Esta entrevista terminou por lembrar-me a letra de um antigo samba do Billy Blanco(1924):
"(...) Pra que tanta pose doutor? Prá que este orgulho...? O infarto lhe pega doutor e acaba essa banca”.
Graças a Deus, quem me socorreu, na hora do infarto, foi a ponte de safena.
Gostaria de lembrar, para concluir, a todos ( médicos e leigos): A Medicina é a ciência das verdades transitórias...!

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